PORQUE ERA OUTONO



Engoliu as últimas colheradas de feijão com arroz e o casebre de duas peças tinha ainda aquele cheiro de mandioca cozida.
Com a trouxa à cabeça , saiu pela porta dos fundos, cruzou o terreiro de chão batido onde adormecia o bronze das folhas de caquizeiro.
Chiavam cigarras e um céu que tombava muito azul procurava espaços entre uma núvem e outra.
A campina , crespa de marcelas , hospedava ovelhas e as cabras , pensativas , mascavam a erva dos tempos.
Pelos desvãos da cerca divisou a velha russa, agachada ,costurando um retalho à mais no colorido acolchoado.
À beira da sanga , com a saia de chita enfiada entre os cambitos , acocorou-se na prancha de imbuia deitada no lajeado.O sabão de cinza espumou a correnteza e os lambaris ouviram-lhe cantarolando.
O espelho das águas , a mover-se , ondulhou-lhe o rosto na metade quieta daquêle dia.Ela viu-se refletida!...A imagem tremulava e, presas às orelhas , argolas douradas acompanhavam-lhe o tremular da face.
Sentiu-se "Yara", brotando das águas...As mãos em concha banharam-lhe o colo, refrescaram-lhe a fronte e a môça percebeu narcisos nos cabelos úmidos.
Um arrepio!...Um espasmo prazeroso fez-lhe a mais linda das mulheres , a mais nobre em todo o universo.
Louvou a Deus as formas rústicas do casebre cheirando à mandioca e abriu-se num sorriso manso , sem destinatário , entregue "aos cuidados do mundo".
Batidas de roupas cadenciaram-lhe as cantigas e de quando em quando num olhar mais distanciado ,encontrou montanhas que azulavam-se e colinas loiras dos trigais do Sul.
Então su´alma emoldurou-se no âmbar da tarde.O ruído dos seixos em pequenos estalos, fuxicou-lhe aos ouvidos velhos segredos e algumas lembranças de ternuras antigas.
E o coração , varado de outono, pôs-se à espera de um novo amor.