SIMPLESMENTE SAUDADE
- MINHA PEQUENA FLOR!
Você partiu, deixando o seu grande amor.
A todo instante vejo sua imagem querida, tão delicada, sentada na cama alva, silenciosa e tranquila a tecer com agulha fina colchas lindas e toalhas trabalhadas. Sempre em sua calma individual e perfeita lucidez, que poucas vovós aos noventa anos são capazes de conservar.
Lembro-me ainda o seu sorriso meigo e gentil quando eu entrava em seu quarto. Aí então você parava o trabalho lento e minucioso para falar dos negros escravos e suas histórias tristes, que chegou a conhecer quando ainda menina; falar das antiguidades que, com as mãos, pôde tocar – peças raras seculares de coloridas e transparentes porcelanas, baús entalhados em madeira de lei com inscrições num português quase arcaico.
A caixinha envernizada, pequeno porta-joias, que a você pertencia e que me deu certo dia, ainda está guardada na gaveta do meu armário. Mas não está somente lá, está também no meu coração! E da minha memória jamais escapará uma só palavra daquela pequena e singela dedicatória de um amigo, dos muitos que a admiraram num passado distante, tanto quanto os de hoje : “Esta pertence à Julieta – minha grande amiga. Offerecida por Juvenal Ramos – 18/01/1907”.
Como fiquei fascinada com a palavra “offerecida” com dois efes! Estas duas letrinhas pequeninas unidas assim, representando algo tão grandioso: uma outra geração, a sua geração, vovó!
Obrigada, querida, por me escolher para guardá-la! Sua escolha me sensibilizou e vou guardá-la sim, com todo o carinho por muitos e muitos anos como você o fez.
- MINHA PEQUENA FLOR!
A saudade faz doer o coração, todavia sei que posso me tranquilizar quanto a você, pois, por sua suave bondade, por sua meiga existência e por sua maravilhosa resignação diante do sofrimento que a vida lhe reservou, há de estar agora num lugar branco e azul, onde só tem amor e muita felicidade. Sei também que já está em condições de ajudar aos irmãos que aqui ficaram. Posso até sentir no peito o bater dessa verdade!
- MINHA PEQUENA FLOR!
Jamais esquecerei a alegria tão grande, estampada em seu rostinho quando lia sorridente os meus contos, crônicas e poesias que sempre gostei de escrever. Ainda posso ouvir a pergunta rotineira que tanto me alegrava: “- Já escreveu mais algum texto?” E depois que eu respondia, com o olhar brilhante completava: “- Quero ser sempre a primeira a ler todos eles!”
Obrigada, querida, pelo incentivo sincero!
Sua imagem sorridente, sempre pronta a confortar, sempre disposta a amar, gravarei em minha alma por toda a eternidade. Lembrança maravilhosa da minha pequena rosa que se foi para ficar!
- MINHA PEQUENA FLOR!
Vou lhe dar o meu adeus, mas é somente por hora, pois um dia nos veremos e juntas relembraremos as agradáveis conversas, sentadas em sua cama enquanto você fazia o seu crochê paciente com tanta capacidade e com tanta perfeição, apesar da sua idade!...
(Homenagem à minha saudosa avó, também Julieta)