[Navegando Rumo ao Outro]
Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito de um galo antes
e o lance a outro...
... para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos...
João Cabral de Melo Neto
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A vida é uma carência muito dolorida de entusiasmos... Se estes não existem, então, a vida é uma privada de buraco antiga, é merda seca abandonada em fundo escuro. E tem a frialdade de um cheiro velho de antigas emoções defecadas há tempos... Faz sentido isto? Faz nenhum.
É no desencontro que a gente mais sente o nexo da vida... A falta de encontro nem vida é. Na falta de encontro, a paisagem se torna excessivamente lunar, e um galo canta sozinho, sem a resposta de outro que, joãocabralianamente, leve o seu canto a outro, e a outro galo! A falta de encontro é sem voz, é muda, e não tece as manhãs, falta música...
No território da falta de encontro, vige o histrionismo que observamos nos outros... só nos outros? Sim, pois não nos enxergamos! Os espelhos só nos mentem, servem para nada.
Não é possível o encontro sem haver um impulso que vem daquele ânimo de navegador que ruma para o desconhecido. É preciso abrir as velas, as brancas velas, e navegar para o outro, com todos os riscos da expedição! a mudança de rumo é sempre uma possibilidade: há milhões de outros por aí... a bússola? É a vontade de ser com...
[Penas do Desterro, 18 de março de 2011]