Pós Maillard

Parece justo ter

Que querer morrer

Para ter o que escrever

E assim, (supostamente suportavelmente), viver?

É tortura o dia inteiro

Sonhos de dinheiro

Querer o estrangeiro

Ter como capela um puteiro.

(Capela, divã, cabine privada no Cine Saci)

Não tem nada mais fácil?

Tipo uma morte ágil?

Sou um embrião nisto aqui e já cansei

De viver da mão para a boca

Fingindo gostar do que eu não gosto

Só pra ter mais um dia de (ine)luta.

Lendo pedidos de leitura em retribuição

(Gente que mendiga o que tem pra oferecer [como pode?] e que eu na maioria das vezes tento retribuir e me deparo com o lugar comum de sempre com escandalosos erros ortográficos que não valem o estupro de tempo perdido que eles despendem da minha mente malsinada)

Lendo que a leitura é a causa prima do conhecimento e deve ser valorizada

Enquanto quem escreve tem no suicídio a sua valoração – posto que: para parentes e amigos (quando estes existem), notívagos cibernéticos ou as traças da gaveta de originais recusados por editoras mainstream ou de fundo de quintal.

Editoras que promovem Concursos Literários e recolhem seu material e dinheiro suados e vão à bancarrota (carregando uma boa quantidade de seus sonhos) sem nem mesmo enviar um e-mail avisando/elucidando o porquê do chá de sumiço.

Entende?

A arte deixa de ser Arte quando é feita por dinheiro?

Ressuscitem o Dead Kennedys e ofereça como pagamento de sua Arte uma festa regada a coxinha e guaraná e uma estadia em algum apartamento da Cracolândia.

(Aliás, o Dead Kennedys morreu?)

Ser diletante não me basta: quero fazer disto o meio de angariar fundos para realizar um ou dois sonhos e sustentar a minha carcaça que tanto gasta com alimentação.

Peço muito?

Não pedi essa droga de vida e a tenho e, pior: ela é recheada de sonhos que pedi pro papai do céu realizar e ele não me deu ouvidos e, não obstante, os esfrega na minha cara every single day. Que mau grado!

E que injustiça batalhar tanto por alguma coisa que na maioria das vezes não vale o esforço que foi feito durante a batalha e ainda ter que dizer “Oh, Glória” e atribuir meu suor à boa e ignota vontade divina.

Eu queria não ter que passar a tesoura nos meus cachos só pra ter um registro em carteira.

Eu queria não ter vontade de pular o balcão da loja do coreano que me vendeu um MP4 bichado e de enforcá-lo com esse terceiro cabo USB que não funciona.

(Juro que eu não queria, apesar do desejo me causar certo frenesi benigno)

Eu queria não ter que olhar o vão da escada espiralada do nono andar e ficar tentado a descobrir se caio diretamente [porque o vão da espiral parece comportar o tamanho de um homem em pé] no térreo ou se vou me enroscar durante a queda e deslocar o ombro pela oitava e última (amém) vez antes de me espatifar no chão e do gato preto do estacionamento comer os meus miolos ainda quentinhos e pulsantes.

Eu queria ter vertigem e não ereções mentais ao contemplar o chão dezenas de metros abaixo.

Tem dia que você só quer morrer e mesmo assim não consegue.

(Enquanto as sirenes das ambulâncias enlouquecidas sobem até aqui com alguém respirando com ajuda de aparelhos querendo só mais uma chance pra continuar vivendo)

Isso não é justo.

Não é justo esse coveiro de terno e gravata comer caviar depois de narrar que o casal foi executado por três adolescentes.

Não é justo esse cara da outra rua ter um boteco imundo em que só ele bebe o dia inteiro e andar de Vectra Elegance 2010.

(com o som alto e com extremo mau gosto musical, como é de praxe nesta província no cu do mundo)

Não é justo os suicidas do onze de setembro girando nas grelhas do inferno.

Não é justo eu lamuriar todo dia o dia inteiro enquanto tem gente em situação pior.

Não é justo eu ter que refrear meus lamúrios pelos problemas dos outros serem piores.

Não é justo o melhor escritor da cena atual [camarada meu] fazer uma planilha de A a Z com o nome de todas as editoras possíveis e enviar seu primeiro livro que é uma verdadeira obra-prima e não obter respostas e ter que apelar pro Do It Yourself tendo que reduzir o honorário pelo seu árduo e solitário trabalho pra não encarecer e impossibilitar a compra do livro enquanto o idealizador do sistema em que isso é feito come papel-moeda no café da manhã.

Não acho justo alguém que está à frente de sua época com a pureza de seus pensamentos e de sua empíria receber levantamento de sobrancelhas de uma cambadinha de literatos que se afundam em filósofos europeus e fazem charminho com bigodões e cachimbos nos cafés de esquina de bairros clichês e caros pensando que estão em Paris; de uma cambadinha que usa esses pessimistas de outrora como muleta para seus pensamentos coxeantes sendo retrógrados ao invés de fazer a Humanidade de daqui 150 anos olhar pra essa nossa contemporaneidade assim como o fazemos agora.

Já falei que cortar o cabelo vai me doer a alma?

(Ou a eqüivalência poética dela, caso a dita cuja não exista)

Tudo isso dói, dói muito; dói pra caralho...

Rafael P Abreu
Enviado por Rafael P Abreu em 18/03/2011
Código do texto: T2854820
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