MUTAÇÃO.
Chagaspires
De repente o olhar quedou no espelho e a imagem refletida não era a mesma de outrora.
Os cabelos embranquecidos, as rugas nos olhos, o nariz totalmente diferente, faziam desacreditar na cena apresentada.
Era alguém totalmente irreconhecível.
Os olhos já não brilhavam como outrora.
O pomo de Adão quase havia desaparecido por sob as gorduras do pescoço.
A pele das mãos estava seca e enrugada.
A transformação fora tão radical que o espelho apresentava uma imagem distorcida.
Depois de seis décadas tudo havia mudado.
Os anseios, os arroubos de criança, a ansiedade em querer chegar à idade adulta, tudo desapareceu com o tempo.
Houve uma inversão de valores, entre ser lagarta e virar borboleta, ou seja, primeiro ser borboleta depois se transformar em lagarta.
A juventude é bem parecida com a época da borboleta que depois de criar asas, jogou-se a procura de novidades.
Voando pelos campos provou de vários sabores, curtiu o pólen das flores, bebeu da água dos rios, dormiu a sombra das árvores provou de vários amores.
Depois de tanto vagar cansou das coisas da vida e quis voltar novamente ao casulo.
Ao acordar em uma manhã de outono, percebeu a metamorfose; havia se tornado lagarta.
Com seus movimentos disformes passou a rastejar por sobre a relva e nunca mais pôde voar.
Quando normalmente a lagarta se recolhe ao casulo, com certeza de que numa manhã de primavera tornar-se-á borboleta.
Na vida há uma inversão da mutação. Juventude é borboleta; ser idoso é tornar-se lagarta.
A lagarta vive de recordações e alimenta-se do passado.
Quando se lembra dos dias de borboleta sua fisionomia cansada irradia alegria e a esperança de voar de novo torna seus dias mais amenos, lépidos e faceiros. Mas quando tudo volta à realidade ela percebe que nunca mais poderá se transformar naquilo que fora outrora, e num rastejar constante segue estrada a fora esperando encontrar no final do caminho um lugar ao sol para poder repousar.