OS MORTOS PELO TSUNAMI; UMA AVE DESNECESSÁRIA
Passei o dia inteiro sob o horror em mim das pessoas de repente desaparecidas no Japão, simultaneamente sob o impacto de um magnífico poema lido nesta sexta-feira, belíssimo e ao mesmo tempo com uma ave desnecessária vinda do mar para saudar o poeta. Uma ave desnecessária, segundo as palavras do poeta, desnecessária ave que passou o dia inteiro a esvoaçar com asas feridas dentro de mim, asas feridas, ah… feridas… a doer tanto… tanto… tanto… como só pouquíssimas asas podem doer.
Poeta: como uma ave, seja qual seja, ainda mais vinda do mar, pode ser desnecessária? Como pode haver aves desnecessárias, Poeta? Como pode? Pode? Uma ave que veio do mar para te saudar? Desnecessária, Poeta? Desnecessária? De verdade, Poeta?
Tanta presença jazendo dentro de mim, de mortos por águas loucas, enlouquecidas, os mortos na Terra do Sol Nascente, e dentro de mim também uma ave desnecessária a voar em círculos, redemoinhando, perdida de si, como a inútil sobrevivente de um tsunami: a irremediável, a derradeira ave de uma espécie.
Na alta madrugada de 12 de março de 2011.