019 - O VENDAVAL...
Recentemente formado em advocacia, trabalhando em um famoso escritório, horário de almoço, o rapaz estava parado em uma esquina, sinal de trânsito fechado...
Repentinamente tive uma súbita e estranha sensação que estava sendo observado...
De dentro de um carro, de um rosto desconhecido um olhar aparentemente conhecido avançou pra dentro de mim a profundidades inimagináveis... Vendaval a desnudar-me... Destramelando dentro do meu ser um mar de dúvidas e interrogações incontáveis.
Voltei imediatamente ao passado, revirei minhas recordações, desesperadamente percorri todo o meu álbum de fotografias mentais à procura de um rosto que naquele rosto moldasse, mas tudo em vão. Na mínima fração do tempo que perdi em devaneios, o sinal abriu e Ela fez se em nada na distancia do olhar, mas não do meu imaginar.
À tarde aquele rosto, aquele olhar tão meigo a tudo sobressaia refletindo em todos os cantos do escritório.
Em casa eu a via nas paredes, no teto do meu quarto, no espelho do banheiro, sempre sorrindo pra mim, entranhou alma adentro, avassalou meu pensamento, vendaval a me destruir, caminho da minha loucura. Fui esquecendo de mim, não alimentava, noites insones, no escritório mal via chegar o horário do almoço para correr e ficar parado naquela esquina olhando para todos os rostos que passavam, mas tudo em vão...
Os dias passando, destino em desvarios, febre alta, fogo vivo queimando imensidões do meu pensamento, fogo levantado, alturas a esturricar e o sonho meu, o mais amado, o mais desejado no meio do fogaréu a bailar sendo consumido.
Meses passados e o vendaval daquela paixão exacerbava para além dos limites da minha razão, emagrecendo a olhos vistos, a todos preocupava, minha chefe me chamou para uma reunião particular:
- Quando o contratamos ficamos entusiasmados com o seu desempenho, mas agora estamos desassossegados, você emagrece a olhos vistos, vive completamente fora do contexto, se perde nos pareceres, diga-me com toda sinceridade você é portador de algumas dessas doenças malignas?
– Que doenças?
– Vou ser franca... Aids, hepatite C, Sífilis...
– Mil vezes melhor se estivesse contaminado pela Aids, pela tuberculose, pela hepatite, que estivesse sido contaminado por todas estas doenças a um só tempo! A minha doença é muito pior que tudo isto!
– Qual? Por favor diga logo!
– Eu tenho uma doença chamada Paixão Aguda, amo uma pessoa que tenho até dúvidas se ela existe, eu a vi uma única vez, e foi o bastante para que fosse contaminado por este amor tão desproporcional que esta me destruindo.
Eu a procuro por todos os cantos desta cidade, eu a vejo em todos os rostos, esta é a minha doença ou melhor, talvez seja a minha loucura!
A advogada apoiou a cabeça no encosto da cadeira aliviada por imaginar que esta doença na certa seria passageira e logo cairia no esquecimento, ela também um dia amou perdidamente...
Ledo engano, as coisas foram piorando e o rapaz cada vez mais magro e debilitado até que um dia ao tentar carregar um pilha de processos cambaleou para um lado e para o outro e foi caindo sobre cadeiras e mesas até que estatelou no chão desacordado.
Às pressas levado ao hospital acompanhado pela advogada, ainda sem recuperar a consciência recebeu os primeiros socorros e finalmente a Médica chegou e foi logo medindo a pressão e batimentos cardíacos... Mas quando ela olhou para o rosto do paciente começou a tremer, soluçar, grossas lágrimas ela enxugava na manga do seu jaleco, se sentou naquelas escadinhas usadas para os pacientes subirem nas camas e acariciava a mão do rapaz com tanta ternura e tanto carinho que a advogada ao atentar para situação viu claramente que era daquela moça o rosto tão procurado:
– Santo Deus! Você existe! Ele me disse que a viu somente uma vez e foi o bastante para que se apaixonasse perdidamente por você!
– Eu também já o procurei por todos os lugares, por todos os lados, a sua fisionomia esta em tudo que toco, e até pensava que tudo isto fora apenas um sonho, ou que talvez estivesse enlouquecendo! Varias pessoas adentraram no quarto preocupados com o seu desespero e crises emocionais e foram logo justificando:
– A doutora também esta um pouco adoentada, vive sonhando acordada com um espectro, se apaixonou por alguém que não existe, um fantasma! A advogada caminhou até a cabeceira do doente descobrindo-o:
- Eis o fantasma!!
Mais tarde em seu apartamento a Advogada se olhou no espelho de cima para baixo e de baixo para cima, quarenta anos, bem sucedida em sua profissão, no olhar uma tristeza mal disfarçada pelo fato do marido ter ido embora com outra bem mais jovem, deu com os ombros e começou a conversar com a sua imagem:
- Ele não era a minha alma gêmea, melhor assim, para encontrar a alma gêmea tem que estar na rua certa, na esquina certa, no momento exato que a outra metade da gente passa, e o resto fica por conta do imponderável!!!