Relatividade

Nossas vidas são construídas desse jeito, com recordações e experiências vividas, como tijolos de uma construção. Uns fazem labirintos e neles ficam perdidos e aprisionados, enquanto outros levantam altas muralhas que os encarceram e impedem que vejam o que de melhor a vida tem a oferecer. Escolhi erguer torres bem altas e do topo delas avaliar tudo o que fiz e decidir o que posso ainda realizar.

Estas recordações nos seguem todo o tempo, umas são mais frequentes, enquanto outras são como pássaros, ocultos na folhagem das árvores da trilha, não os vemos até o momento em que alçam voo e cortam nosso caminho desaparecendo mais adiante.

A lembrança de um endereço onde vivi parte da minha infância às vezes vem à minha mente, fica em um bairro aqui perto de onde moro. No entanto décadas se passaram e eu sempre planejava retornar ao local para ver se aquela casa ainda existia, porém nunca o fazia.

Um dia desses quando ia visitar um cliente passei novamente pelo tal bairro, então um impulso me fez virar à esquerda em uma rua e iniciar minha busca. Segui guiando vagarosamente procurando uma placa com o nome da rua. Mais adiante encontrei um grupo de pessoas conversando e surpreendentemente fui informado que eu estava exatamente na rua procurada. Foi por acaso, ou instinto? Eu não sei. Continuei seguindo e olhando sempre o lado esquerdo até que encontrei o número procurado. A casa ainda estava lá, sólida e quase do mesmo jeito em que eu a deixei quando contava sete anos de idade. A placa esmaltada em azul e algarismos brancos ainda era a mesma. Parei o carro e fiquei ali observando aquela construção. Sua cor e seu telhado ainda eram como eu me recordava, o muro que antes era bem baixo e guarnecido com madeiras azuis cedera lugar a outro, alto, feio e sem graça. A porta, assim como as janelas também azuis foram trocadas por coisas modernas de alumínio. Tentei ver o jardim tão bem cuidado por minha mãe, onde eu sempre me imaginava em uma floresta, porém só havia agora terra batida e mato. O piso da varanda que era feito de engraçados quadradinhos marrons e brancos, como um tabuleiro de damas, era agora de uma ardósia cinzenta.

Existia na época uma árvore alta e de tronco espinhento, que tinha galho mais alto uma ferradura. Quando eu perguntava a meu pai porque ela estava lá, ele me respondia que um cavalo a havia perdido quando descia da tal árvore. A árvore não está mais lá e hoje eu sei que cavalos não sobem em árvores.

Com apenas alguns passos atravessei a rua e tive a impressão que ela tinha ficado mais estreita, tudo era muito estranho. Sentei-me então no meio fio como se diminuindo o meu tamanho voltasse a ter a mesma perspectiva do passado, fiquei assim por algum tempo, apenas olhando tudo ao meu redor.

Assim são as nossas recordações, ao olhar aquelas coisas materiais do meu passado percebi que aos poucos elas vão se quebrando, se diluindo e o que era antes tão grandioso vai se tornando pequeno.

Entrei no carro e segui o meu caminho, sequer olhei pelo retrovisor. Acho que é assim mesmo, enquanto muito do nosso passado se apaga ou encolhe a única coisa que aumenta é a saudade.

J.Valjan.

Valjan
Enviado por Valjan em 05/03/2011
Reeditado em 07/03/2011
Código do texto: T2830829