Eternas lembranças
Eternas lembranças.
Eternas são todas estas lembranças em forma de pensamentos, que me vem da minha terra cheia de medos, causos de assombrações, crendices e mistérios coisa daquele tempo que não tinha luz elétrica.
Eternas é ter na mente, aquelas ruas calçadas com pedra de minério de ferro que faziam as mulheres de salto verdadeiras equilibristas, mas sempre algumas torciam o pé ou mesmo caiam, para alegria da meninada. Vem dos casarões com seus mistérios e moradias de tantos fantasmas que tanto medo nos causava. Vem deste grande buraco na serra, que a sanha louca da empresa que tudo explode arranca, transporta e vende na exploração furiosa com quebra de recordes cada vez mais exorbitantes na exportação deste minério, que outrora brilhava e justificava o nome da cidade de um Tupi-Guarani_ Itabira.
Vem do cheiro do café, que exala lá da cozinha com seu fogão à lenha, sempre com fogo a lhe dar vida dia e noite, noite e dia. Sempre naquela chaleira do bom ferro fundido (que o mascate trazia no lombo de uma mula,). Chaleira que mantém o café que perfuma e inspira as mais deliciosas guloseimas tão comuns nas Minas Gerais. Café que tomava nas canecas de alumínio ou de Ágata. Sim aquelas mesmas, com certo colorido ou com a estampa de Nossa Senhora Aparecida, presente de minha tia Conceição, que para lá viajou e não me esqueceu.
Vem destas festas religiosas, com suas procissões longas e de velas em punho, que sempre queimavam as mãos nos respingos dos tocos de velas. Pois é, eu já acompanhei muitas procissões em mais completo clima de emoção, às vezes com lagrimas nos olhos na eloqüência daquele gordo padre Zé Lopão ao apresentar o filho Jesus morto à sua mãe Maria, naquela Procissão de Encontro, ou mesmo naquele triste canto da Verônica. Aquilo era terrível, nunca entenderia esta coisa de mãe filho e morte.
Ternas lembranças da família reunida em volta de uma mesa, sempre encabeçada pelo pai com suas orações de agradecimentos antes de cada refeição. Ainda hoje às vezes eu rezo em voz baixa. Saudade até da fome que sentia no jejum da Sexta-feira da Paixão, eu era menino e não entendia, mas cumpria as ordens do meu pai. Mas era bom quando o sinal verde se acendia liberando para o ataque às panelas de ferro. Era o dia da fartura gastronômica, na farra do bacalhau com aquela variedade de legumes. Ainda tínhamos peixes de rio sempre fresquinhos. Bacalhau era coisa de pobre, bons tempos aqueles. A gente tinha até sobremesa, regada por doces de goiaba, queijo, farinha de amendoins, doce de batata doce, doce de leite batido e em pedaços, e um delicioso doce de cidra e ou casca de laranja, que fazia qualquer criança feliz.
Ternas lembranças das brincadeiras sem maldades junto da criançada. O tempo se perdia pela noite, até que no radio ou televisão (de alguns) se ouvia um cantar de uma propaganda sobre um cobertor Paraíba de certa Casa Pernambucana, orientando que já era hora de criança dormir para um alegre despertar. A gente não conhecia esta casa, que não existia naquela cidade de fim de mundo, mas eu tinha, pois meu pai comprara na capital Belo Horizonte.
Ah, são tantas boas lembranças que nos acompanham que vivem eternas na mente, pois no apego não abandonamos e hoje vejo que elas são a certeza do quanto eu vivi e fui feliz naquela cidade naquele tempo.
Ah, que saudade boa do matadouro de boi da Vale Rio Doce, era pra lá que a gente ia todo santo dia pela manhã, para buscar as partes do boi que não se vendia (mocotó, fígado, bucho, rabada, costelas, cabeça e etc.). Lembro o menino com o fígado fresco sangrando escorrendo entre os dedos, correndo com aquela víscera a sangrar, como se carregasse um troféu. Este fígado era o prato mais delicioso daquele dia regado com bastante cebola e salsinhas. Menino pobre não perdia nada da morte do boi e sempre sabia que dali podia todo dia ter carne para comer. Como criança daquela época gostava de carne, era impressionante.
Lembrança em forma de saudades das manhãs de inverno, olhar a cidade encoberta por aquela névoa, onde de cima às vezes só via a torre da igreja e quando se falava, uma nuvem saía da boca acompanhando as palavras e eu menino achava aquilo o máximo, relembrando as façanhas do dragão que soltava fogo pela boca num livro de estórias.
Saudades dos dias de chuva, que não matavam, nem desabrigavam, mas que deixava a terra úmida e farta. Terra úmida boa para jogar finca, ou mesmo fazer casinhas para o jogo de bolinhas de gude. Saudade daquela chuva que deixava o rio um pouco sujo, e era bom para pescar bagres, lambaris e até Piau.
Chuva no interior era como festa, mas menino morria de medo com o ronco do trovão descendo a serra, balançando as janelas e os copos do guarda-louça. Parecia que o chão se abriria, naquela cidade de pedra. Medo dos raios que circulavam livres a procura de um espelho. Assim se acreditava, pois era assim que minha mãe dizia e eu nunca perto deles ficava nem em peça de aço me tocava, pois do Corisco todos tinham medo.
Lembrança da queima de ramos secos jogados no fogo, ramos que foram usados na procissão de Ramos. Os mais velhos diziam, que assim ajudaria parar trovoes e raios.
E hoje na minha frente um livro para estudar os aterramentos de instalações elétricas, estatísticas de quedas de raios e analisar os efeitos e conseqüências destes e assim buscar meios de amenizar suas ações e interferências.
E eu ainda tenho medo destes raios, que já caem no mesmo lugar, isto o meu povo da época não acreditavam.
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Obs.1-
Inspiração em um vídeoclip recebido por email, que fala de Minas do interior, do mato encostada e enciumada entre serras e morros, e uma cachoeira que chora noite e dia. Que fala da sua gente suas coisas e seus trens apitando na estrada, na mais bela tradição/tradução. Gente de sensibilidade, a Mariângela e Cleia do Recanto das Letras, que imaginaram que eu gostaria de relembrar desta Minas tão Gerais.
Imagine só!
Obs-2
Estou neste feriadão de Carnaval, fazendo o roteiro inverso da folia. Da Bahia para Minas(Itabira) interior, revendo minha gente, minha cidade,mas com certa dificuldade de acesso a net. Mas tentarei visitar os amigos do Recanto em suas escrivaninhas.
Toninho
17/02/2011