Chá com dona Solidão
Dona Solidão chegou. A campainha soou lenta, mole. Inconfundível.
A mesa está posta faz tempo. Ela senta em seu lugar, é quase de casa. Apanha algumas bolachas.
Enquanto fala, acaba cuspindo alguns farelos que enchem a mesa de ideias erradas sobre mim mesma. Acredito ser eu quem está sujando tudo e tento não olhar para os farelos acusadores.
Dona Solidão reclama que não sei fazer chá. Que não está doce. Que está frio, sendo que ela própria é fria.
Toca o telefone, e na testa da velha senhora surge uma ruga. Uma amiga minha. Conversamos um pouco, e eu esboço um sorriso. Dona Solidão se irrita e enfia mais uma bolacha, murcha, na boca.
Retorno à mesa. Ela abre a boca para cuspir um pouco mais em mim.
E novamente o telefone toca.
Visivelmente aborrecida, Dona Solidão me fulmina. Enquanto isso, dou uma risada gostosa com meu namorado. Ela começa a mexer na bolsa
Quando desligo, ela anuncia que vai embora. Que está perdendo seu tempo. E que o chá não está do seu agrado.
Nem precisei colocar a vassoura atrás da porta: ela se foi sem precisar ser expulsa. Com o simples brilho de um sorriso.