Pantomima
Os artistas encontravam-se todos os dias ao entardecer nos cantos das ruas da antiga cidade, sussurrando velhos versos, por vezes estórias épicas ou belas tragédias – a Arte era um segredo.
Num período tão escuro, a Arte era uma chama (constante, apesar de ínfima). E ao redor das flamas, os Irmãos aconchegavam-se – satisfeitos pela luz.
“O melro chilreou no crepúsculo.” Esta era a sua senha, passada de membro para membro. O chilrear do melro para eles era como o cacarejar do galo ao amanhecer, acordando-os para as atividades. Porém, no crepúsculo, as atividades tornavam-se espirituais.
As crianças aprendiam desde cedo a amar os mistérios da Noite, cujo misticismo conectava-os ao onirismo. Elas precisavam conhecer. Afinal, aquela sabedoria necessitava de herdeiros.
Chamavam-se de Pantomimos, como os arlequins taciturnos. Pois precisavam calar-se diante da sociedade. Eles se faziam de meros mudos – para que seus festejos noturnos não fossem escutados por ouvidos descrentes. O que, infelizmente, aconteceu.
Ao sabor dos ventos de outono, ao entardecer, o melro não cantou mais. E a chama se apagou tão silenciosa quanto um mímico.
A Arte fora enterrada.