O HOMEM PRIMITIVO: UMA LASCA DA PRÉ-HISTÓRIA
Naquele dia tranquilo, ver tudo aquilo, sem grilo e preconceito, acho bom e bem feito observar tais famílias, depois de um período de inverno intenso o verão chegou com grandes tempestades.
Todos se espreguiçam, alguns se coçam e outros ainda dormem porque fogem de seus pensamentos dos feitos do dia anterior, um horror, um cataclismo abrasador e os sonhos ainda bem feitos, passeiam no palco das mentes adormecidas.
Descanso merecido, contido, porque em menor instante pode voltar a cena cotidiana de ventos fortes, raios, chuvas, tremores e depois sol tendo como comandante nuvens que vem e vão, permitindo o seu aparecimento ou não.
Os animais são professores, a natureza verde e as intempéries do tempo também, todos têm , até o neném, o instinto trabalhando a inteligência, que na menor ocorrência grava na mente e ensina procedimentos, é a aprendizagem meio selvagem.
Que coceira, o homem se coça como os macacos, irmãos estes que estão estagnados, pobre coitados, não evoluem como ele. Olha o rio e num ímpeto entra e sente a coceira aliviar, ali pode brincar, aprender a nadar, gesticular para quem olha da barranca com carranca, de quem não quer se molhar.
Que bom, a coceira passou e ele por certo vai ensinar para todos, grandes e pequenos, seus pulos e algazarra que pode ser feito no rio, perto do leito ou mesmo mais profundo porque do jeito que faz não vai se afogar, já sabe nadar.
É hora de comer, todos se aconchegando no fogo que, desde ontem, encostada em algumas pedras, tem carne de bicho grande assando. Este fogo o homem líder pegou de troncos de árvores em brasas, ele ainda não sabe acendê-lo.
Uma mãe nova dá o peito ao filho, os bichos amamentam e foi fácil perceber o leite brotando nas tetas que balançam no andar. Tem outras mães com os filhos de sobrancelhas volumosas mostrando que estão crescendo, comendo e provocando uns com os outros, vão todos de mudança para outros lados.
Levam lanças construídas a partir de lascas de pedra, de ossos já sabem que elas cortam e não entortam, são fortes. Tem esperanças de encontrar um ponto bom, árvores e buracos nas rochas para se abrigarem caso chova forte, ou vento que varre, machuca e deixa a mulher maluca de cabelos maçarocados e os olhos inchados de tanta areia entrar.
Agora está melhor, o pior já passou e a tribo se instala, respira o que exala das flores daquelas árvores junto das pedras ali existentes e se sentem bem. Já podem pendurar as peles grandes na boca da caverna, imitando uma cortina que abriga do vento frio.
O homem primitivo corre atrás de animais mesmo grandes e ferozes porque sabem que o estômago também é bravo e urra de fome, entre o estômago e bicho feroz, prefere correr o risco e com isso aprender novas maneiras de caçá-los. A consciência humana distingue a realidade do seu reflexo, mesmo complexo, assimila as impressões anteriores e torna possível o desenvolvimento de si mesmo, de seu desempenho.
Frutas, raízes e folhas gostosas, água e carne faz um cardápio balanceado. O verde é bom de comer e a carne dá energia, eles sabem, eles sentem, e a aprendizagem conduz vorazmente à carne. Aos poucos o cérebro vai se desenvolvendo, está maior, melhor, e a vida fica mais fácil de ser vivida porque a percepção está melhorando. O desenvolvimento e a aprendizagem sobrepõem constantemente, está aí a maturação que depende do desenvolvimento que possibilita a aprendizagem.
O alarido faz zoeira, olho a turma se comunicando, e quando alguém não entende, os outros riem e riem, sabem que rir faz bem. Eles estão unindo as palavras aos atos numa espécie de prática sem a teoria e na maioria, ocorre gradativamente o desenvolvimento mental. O homem é o objeto de sua História e História de sua espécie.
A dieta agora está boa, o cérebro se transformando, não importa que aquela primeira tribo não esteja mais no relato, as transições são lentas e graduais, mas a vitória do desenvolvimento continua nua e crua com outra turma de primitivos homens, não são macacos.
Que frio! É preciso atacar o vento, a chuva e bem feito: as roupas de peles de animais abatidos, curtidos ao sol porque o perfume bom das flores silvestres já havia desenvolvido o cheiro de outras coisas e carne podre, cheira muito mal.
Amarra aqui, amarra ali, transpassa e finalmente as mulheres compreendem que podem passar fios de couro bem finos entre os pedaços que ficam então costurados, e suas mãos adquirem uma motricidade melhorada. Aparecem as agulhas feitas de ossos finos com furinhos onde eram articulações. As atividades dão a aquisição do conhecimento e a formação de ações mentais.
As crianças correm se divertem com pequenos animais que serpenteiam ou correm pela areia agora parada, imobilizada, não há vento, só uma brisa que frisa para a petizada endiabrada os rastros dos animais. Que engraçado dá prá rir e observar os desenhos que ficam e começam a riscar. Chamam os adultos e juntos aprendem uma arte que registra o trabalho de todos que até hoje se vê. Naturalmente não são mais na areia e sim nas paredes de suas cavernas. Que arte é essa?
Agora o barulho de vozes são decorados e começam a “falar”porque todos compreendem essa comunicação e o coração fica feliz sem muita gesticulação. A linguagem não desempenha somente a comunicação, ela é uma forma de consciência e de pensamento. O trabalho ajudou para essa evolução, rendeu mais, trouxe facilidade e felicidade.
Nem tão longe se faziam as brigas frequentes, duelos de titãs entre parentes, vivência rude e animalesca. Agora, para ter desentendimentos, um motivo forte move a briga. Não se iluda, são homens primitivos e mesmo estando todos na lida, promovem um escarcéu e nem mesmo os riscos no céu, de uma chuva eminente, fazem a parada, mas são camaradas e tudo depois fica bem.
Uma mulher velha que leva sementes e tira fiapos de carne dos dentes, vai plantar, quando chegar num lugar sossegado. Sem muitos urros ou mesmo piados esquisitos de aves enormes sobrevoando, perigando um rasante para bicar as pessoas, que não estão à toa, mas sim procurando uma moradia porque o dia está se findando. Mais adiante tem uma boa caverna. Ela olha todos os homens e mulheres aglomerados, respira fundo e num mundo de sobrevivência brada nomes esquisitos, mas em segundos todos chegam e batem nela, empurram e beijam. São seus filhos e eles sabem disso, mesmo adultos e pais também, sentem um amor indescritível aprendido com a convivência com seus próprios filhos.
Na correnteza do rio passam paus, folhas, espécie de frutos do coqueiro , e vão todos se depositando num canto do remanso, e então se deslumbra a ideia de fazer o mesmo com gravetos ou paus, fora da água. Isto para conter alguma coisa, talvez animais que engaiolados poderão ser levados de um canto para o outro e com certeza ficarão mais gordos e apetitosos.
Dessa ideia também surgiu a arapuca, que meio maluca e desengonçada, faz a alegria da rapaziada quando acham um bichinho barulhento que dará um ensopado suculento.
Passa um animal em cima de um tronco depois de se debater para não morrer afogado consegue subir e navegar. Que maravilha sacode a grande cabeleira o homem que observou a façanha, grita e urra tamanha é sua alegria em poder copiar a idéia genial do cão primitivo. De jangada à canoa a pesca ficou bem boa. O trabalho é social na colaboração entre indivíduos ligando os participantes e instigando a qualidade da comunicação.
Continuo observando, lembra no começo? Aquela tribo se foi no tempo e agora vejo algumas plantas de milho, animais engaiolados, pinturas nas pedras, o trabalho melhorado, com redes que as aranhas ensinaram quando teciam suas teias para apanhar a comida.
O milho foi encontrado com espigas já bicadas e o que sobrou demonstrou que era bom de comer. Muito perto tinham outras plantinhas iguais que poderiam ser plantadas. E a aprendizagem continua com os olhares curiosos em frutos apetitosos, tem trigo no meio do mato. O gosto é diferente do milho e também é bom de comer. Mais distante tem grão-de-bico, e outros grãos que a mãe natureza dá, é só descascar, esquentar no fogo e experimentar.
A criançada correndo por entre o campo, o mato fino e também o denso e eis que voltam fazendo em alarido sem igual, afinal foi um grande achado. Um menino com um pé de mandioca arrancado fazendo a apresentação como se a raiz fosse os dentes de animais e outro envergando grandes seios femininos com batatas, certamente, doces, tamanha era o tamanho. Quanta comida gostosa.
O namoro é mais cortejado, não tanto forçado, e sim, elaborado para que a companheira aceite seu áspero aconchego, mas com demonstrado carinho.
O trabalho aumenta, todos os homens caçam, esfolam, protegem suas famílias, plantam, as mulheres costuram, dão cria e na vigília pensam como vai ser o novo dia. Talvez outra tribo passe por ali e então vão trocar os conhecimentos, as vezes, desconhecidos porque não faz parte do dia a dia da tribo daqui.
O pensamento, a oralidade, o trabalho mais organizado permite uma reverência para os visitantes cansados, esfomeados, alguns ouriçados com as pessoas que os acolhem.
Tem troca de conhecimento e até de aleitamento para os bebês viajantes, mas antes as histórias de vitórias de caçadas organizadas com sucesso eram contadas, meio faladas e gesticuladas, para serem interpretadas. E aquele engraçado, que sem muita serventia, vestia uma pele gozada para fazer graça aos recém-chegados.
Todas as crianças se agrupam, e acreditem, criança sempre foi criança, se juntam e logo começam a brincar com besouros e lagartos de estimação, levados nos bornais das mães. Sim, quem anda tem que ter as mãos livres para a defesa e com destreza para juntar coisas importantes que encontram no caminho. Aí alguém teve a ideia de amarrar coisas nas costas até finalmente costurar bolsas a tiracolo ou mochilas. Que coisa importante, até para guardar comida! O animal não cria e não produz, o homem trabalha.
Um namoro começa e o chefe da tribo logo diz: este moço é novo entretanto sabe fazer cria, trabalha bastante no sol escaldante, enfrenta o terremoto, mata bicho feroz, e também passa as mãos sobre os pelos de animais pequenos como animais de estimação, mostrando que também tem mansidão.
Por sua vez o chefe visitante diz que a mocinha sangrou, é trabalhadeira, sobe ladeira pra pegar frutos melhores, ela compreendeu os alaridos vocais e logo ensinou aos companheiros para que pudessem trocar “pseudo palavras”. A linguagem não é só comunicação, é também a base do pensamento. O desenvolvimento mental através da experiência hunano-social, não existe nos animais, é a conquista do humano.
Sempre houve a chegada de tribos e quando a afinidade se dava, ficavam e se misturavam no cotidiano de labuta, de festas e de luto, porque mesmo os brucutus sentiam a morte de seus familiares.
Os visitantes ensinam a começar o fogo, que gozo agora não precisam se incomodar de manter o fogo aceso, sobra tempo para aproveitar a vida e todos juntos para compreender mais e mais a natureza bela, ora singela ora exuberante, deslumbrante com dias e noites preocupantes.
Seguidamente no horizonte percebiam um movimento, se não eram animais era os da mesma espécie e então ficavam resmungando, esperando as novidades porque já sabiam que trariam novos conhecimentos e sem preconceitos a acolhida era boa.
Estes traziam sementes. Sementes? Parece mentira, mas eram sementes moídas para caberem mais e serem carregadas em sacas de couro. Carregavam também as inteiras e junto com as sementes das tribos de cá poderiam fazer plantações mais elaboradas, cuidadas por toda gente. Esta tribo descobriu de alguma forma a moagem para facilitar a existência.
O trabalho dividido e executado com ferramentas como a enxada, o arado a foice foi facilitado. Sabem que tem de esperar brotar, crescer, dar sementes e frutos para depois colher. Se deixar ao léu, as aves comem, a chuva molha e tudo piora, é hora de guardar. Como? Plantando por etapas e colhendo os maduros os outros verdes esperam, então guardar está mais fácil.
O homem trabalhando ao mesmo tempo em que age sobre a natureza exterior e a modifica, ele modifica a sua própria natureza, que beleza, desenvolve as faculdades adormecidas.
A hominização se deve ao aparecimento do trabalho que formou a consciência humana. Agora a tribo sabe dividir o trabalho através de uma hierarquia primitiva que organiza a comitiva e sai para trabalhar, até parece que vão cantar, ficaram felizes, as tarefas definidas e foram banidas as dificuldades.
Pode-se dizer que a família aumentou, mais ideias agregadas, mais mão –de- obra para construir casas. As cavernas e as de pedras enormes justapostas foram dando lugar a casas de paliçadas ou palafitas em forma de círculo para proteção ou para não ocorrer a discriminação, até mesmo para que todos ouvissem o que era dito da forma deles. Vivem em grupos fortes e cada vez mais inteligentes, porque a evolução da espécie vai ficando cada vez mais apurada, e a malvada, traz conhecimentos que por vezes não da certo, entretanto a repetição do engenho finalmente fica bem feita.
A partir deste momento, os progressos no desenvolvimento das aptidões psíquicas fixam-se e vão transmitir de geração a geração as funções motrizes da mão, da fonética, ouvido verbal e aptidões estéticas.
As vestes de couro eram pesadas para o trabalho e para as caminhadas. Já faz algum tempo que as ovelhas ariscas e bem lanudas dão o exemplo de roupa leve e quente. A experiência foi feita na criança de colo com a lã retirada do bicho e amarrada nela com um grande chumaço. Que beleza de ver o menino vestido, atrevido em seus movimentos arremedando passos, fazendo traquinagens. Daí para a fiagem foi uma questão de tempo, dando origem a vestes de lã para todos.
Que planta interessante parece uma bola de neve bem macia, isto também pode ser aproveitado no tear, é algodão. O linho é encontrado em abundância e pelo fato das descobertas recentes também é testado com fibras trabalhado e aprovado.
Com tanta coisa bonita por que não inventar uma fita, um brinco ou um colar? Mulher sempre foi vaidosa, com mão rude, mas engenhosa enfia conchas, paus ou bolinhas de argilas secas no ponto e pronta com furo e tudo. Que tal pôr na orelhas assim todos podem ver. E no pescoço também, tem sempre alguém com o olho espichado e verá em seguida a moça lambida esperando elogios.
Das bolinhas de argila veio a ideia de vasos grandes assim ninguém mexe na comida e o cômodo fica mais bonito. A cerâmica cresceu, cestas para o transporte dos peixes a exemplo das gaiolas evoluiu, com cascas esfiapadas de varas o trabalho treinado vira trançado leve, fácil de carregar.
É hora de carregar os suprimentos para outro ponto atrás do morro onde corre outro rio, lá moram outras gentes que gostam de trocar coisas que sobram. Mesmo a população masculinha não pode transportar, então o jeito é deixar de olhar as formigas carregando folhas nas costas, observar e pensar.
Esta tempestade traz conhecimentos porque os estouros no céu e a água despejada, os animais perecendo, a terra tremendo, o fogo clareando as pedras é a grande escola da vida. A roda surgiu bem ali, diante dos mais preocupados, com os olhos arregalados viram as pedras lá do alto despencando e se despedaçando, se lapidando, criando velocidade ao ficar mais arredondada. Pedra quadrada não gira, com pontas tão pouco, agora sabem que podem lapidar, a natureza com destreza acabou de ensinar e provar que quanto mais pensar mais o desenvolvimento chega.
Com duas rodas rudimentares, a carroça é feita amarrada a paus fortes. O transporte facilitado, o homem bem humorado e o trabalho homenageado. Logo carroças mais elegantes puxadas por elefantes, bois e cavalos, levam e trazem as pessoas em pequenos e grandes trajetos deixando as distâncias em segundo plano.
O progresso pouco a pouco vai chegando e ficando, moldando os ambientes agora proeminentes e bonitos. Os indivíduos constroem casas, fabricam carroças fazem troças, são bem humorados, alguns são namorados outros casados, solteiros sem travesseiros, mas guerreiros e altaneiros.
Desenvolvem armas, fazem sandálias, vestimenta, plantam e colhem regularmente, trocam mercadorias, se metem em folias uns com os outros, se conhecem, alguns padecem porque não se enturmam. Conhecem os maus vizinhos, mas mexendo os pauzinhos os levam no bico, convidam para subir no pico para avistar o mar e combinar a pescaria que levaria a uma maior amizade.
O tempo passou lento, mas passou e como dizemos hoje “o tempo é o melhor remédio para tudo”. Agora tem gente habilidosa que faz coisas interessantes, bem melhores do que dantes.
A música é um benefício que todos apreciam. Assoprar um caramujo, ou um pau fino bem oco, deixa o menino louco para achar outros barulhos, e no embrulho de tudo outros sons são encontrados.
Acabo de imaginar a estrutura interna elementar da consciência humana que reflete a relação do homem com a natureza e com os outros homens, nas condições da comunidade primitiva.
Nesta lasca da Pré-História percebo a evolução, tudo mudou, o homem se politizou. E hoje as mentes brilhantes inventam remédios, moram em prédios, constroem com tecnologia, mas alguns não prestigiam a história lenta da transformação do Planeta, seus seres vivos e os inertes.