FRAGMENTOS E CISMARES 37
[DAS RELAÇÕES: breve reflexão]
Difícil é caminhar com todas as faces que temos, que todos têm.
Algumas não cabem em qualquer lugar; outras, ninguém as quer conhecer; há ainda as que não querem se dar ao conhecimento.
É impossível, portanto, estarmos inteiros todo o tempo, em cada e qualquer situação.
Talvez seja essa a razão de certas relações se deteriorarem, oscilarem ou nunca acontecerem. Tentativas malogradas, esperanças desfeitas.
Conhecer de fato alguém, o melhor possível, depende basicamente da capacidade e vontade de se mostrar de ambos os interessados. Percebo bem: normalmente um se abre muito e o outro recua, esconde-se. O desequilíbrio acaba rachar a relação.
Frustro-me muito com o rumo de algumas relações.
Ainda espanto-me com seus desfechos e dissoluções.
Consigo "investir" bem nos relacionamentos que me interessam e quero manter, nas amizades; trato-os com muito zelo e proximidade.
Porém, demorei a entender que eles não dependem apenas de mim... Demorei para aceitar que nos dias atuais, mais que outrora, há uma sombra que ameaça todos os relacionamentos: a desconfiança.
Não tenho uma natureza desconfiada. Logo, entro neles com desvantagem; eu me mostrando e o outro reticente, protegendo-se, escondendo-se.
Há que se cavar um espacinho de luz entre as trevas, imprimir uma nova direção e dimensão no ato de se relacionar.
Trago aqui uma reflexão de que gosto muito: é do escritor francês Michel Houellebecq, ganhador do prêmio Goncourt de 2010.
Fala da esperança de uma relação inteira:
"Conhecendo as pessoas durante anos, até mesmo dezenas de anos, habituamo-nos a evitar os problemas pessoais e os assuntos verdadeiramente importantes, mas guardamos a esperança de que, mais tarde, em circunstâncias mais favoráveis, se possam justamente abordar esses assuntos e esses problemas. Essa esperança, sempre adiada, de um relacionamento mais humano e mais completo nunca desaparece totalmente, porque nenhuma relação humana se contenta com limites definitivos, restritos e rígidos. Permanece, portanto, a esperança, de que haja um dia uma relação "autêntica e profunda". Esta permanece durante anos, décadas, até que algum incidente definitivo e brutal (em geral, algo como a morte) vem mostrar-nos que já é demasiado tarde, que essa "relação autêntica e profunda", cuja imagem tínhamos amado, também não existirá; não existirá, tal como as demais."
Copyright © 2011. Kathleen Lessa. Todos os direitos reservados.
[DAS RELAÇÕES: breve reflexão]
Difícil é caminhar com todas as faces que temos, que todos têm.
Algumas não cabem em qualquer lugar; outras, ninguém as quer conhecer; há ainda as que não querem se dar ao conhecimento.
É impossível, portanto, estarmos inteiros todo o tempo, em cada e qualquer situação.
Talvez seja essa a razão de certas relações se deteriorarem, oscilarem ou nunca acontecerem. Tentativas malogradas, esperanças desfeitas.
Conhecer de fato alguém, o melhor possível, depende basicamente da capacidade e vontade de se mostrar de ambos os interessados. Percebo bem: normalmente um se abre muito e o outro recua, esconde-se. O desequilíbrio acaba rachar a relação.
Frustro-me muito com o rumo de algumas relações.
Ainda espanto-me com seus desfechos e dissoluções.
Consigo "investir" bem nos relacionamentos que me interessam e quero manter, nas amizades; trato-os com muito zelo e proximidade.
Porém, demorei a entender que eles não dependem apenas de mim... Demorei para aceitar que nos dias atuais, mais que outrora, há uma sombra que ameaça todos os relacionamentos: a desconfiança.
Não tenho uma natureza desconfiada. Logo, entro neles com desvantagem; eu me mostrando e o outro reticente, protegendo-se, escondendo-se.
Há que se cavar um espacinho de luz entre as trevas, imprimir uma nova direção e dimensão no ato de se relacionar.
Trago aqui uma reflexão de que gosto muito: é do escritor francês Michel Houellebecq, ganhador do prêmio Goncourt de 2010.
Fala da esperança de uma relação inteira:
"Conhecendo as pessoas durante anos, até mesmo dezenas de anos, habituamo-nos a evitar os problemas pessoais e os assuntos verdadeiramente importantes, mas guardamos a esperança de que, mais tarde, em circunstâncias mais favoráveis, se possam justamente abordar esses assuntos e esses problemas. Essa esperança, sempre adiada, de um relacionamento mais humano e mais completo nunca desaparece totalmente, porque nenhuma relação humana se contenta com limites definitivos, restritos e rígidos. Permanece, portanto, a esperança, de que haja um dia uma relação "autêntica e profunda". Esta permanece durante anos, décadas, até que algum incidente definitivo e brutal (em geral, algo como a morte) vem mostrar-nos que já é demasiado tarde, que essa "relação autêntica e profunda", cuja imagem tínhamos amado, também não existirá; não existirá, tal como as demais."
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