LIBERTAS QUAE SERA TAMEN

Ah! tempos de horas mortas

de prantos soltos e açoites,

como tanta crueldade

pôde ser presenciada?

(estrelas feriam as noites

com suas luzes de espada...)

Os homens cavavam fundo

tirando da terra o ouro

e como tributo deixavam

o suor, as lágrimas e a vida...

(estrelas feriam as noites

com suas luzes de espada...)

O ouro extraído da terra

saía da terra também

navegando mares longínquos

para as orgias da corte...

(estrelas feriam as noites

com suas luzes de espada...)

O vento da tarde trazia

gemidos de viuvez

entre gritos lancinantes

de gaivotas solteiras...

(estrelas feriam as noites

com suas luzes de espada...)

Por entre as grutas as feras

a espreitar os incautos

e os arautos do rei

anunciando quimeras...

(estrelas feriam as noites

com suas luzes de espada...)

Cruzando os campos os cavalos

e sobre os cavalos os homens

levavam nas mãos os seus sabres

e no íntimo suas fomes...

(estrelas feriam as noites

com suas luzes de espada...)

Outros homens se reuniam

na quietude das noites.

Será que só conversavam

ou tramavam contra o rei?

(estrelas feriam as noites

com suas luzes de espada...)

Um alferes percorria

as veredas do sertão

semeando em cada alma

os seus planos impossíveis...

(estrelas feriam as noites

com suas luzes de espada...)

As paredes conspiravam

na contra-conspiração,

o trair pode ser bom

se traduzido em perdão...

(estrelas feriam as noites

com suas luzes de espada...)

Cometas corriam céleres

dilacerando o espaço

seguindo os passos do alferes

de povoado em povoado...

(estrelas feriam as noites

com suas luzes de espada...)

Até mesmo nos quartéis

chegou sua voz sussurrante

surpreendeu sentinelas

e determinou-lhe as algemas...

(estrelas feriam as noites

com suas luzes de espada...)

Que poderia o alferes

de povoado em povoado

falando de liberdade?

E a liberdade o que é?

(estrelas feriam as noites

com suas luzes de espada...)

Os versos escritos p'ra amada

não transpuseram o papel,

não podia o coração poeta

ter cor não oficial...

(estrelas feriam as noites

com suas luzes de espada...)

Serões diversos e planos

perdidos pela denúncia.

Aos homens faltou o engenho

ou simplesmente a astúcia?

(estrelas feriam as noites

com suas luzes de espada...)

Procurem por todo canto

prendam os inconfidentes

pois estes sonhos de “europas”

não se aplicam nestas plagas...

(estrelas feriam as noites

com suas luzes de espada...)

O embuçado chegou

com seu aviso tardio

não houve tempo para a fuga

o próprio tempo parara...

(estrelas feriam as noites

com suas luzes de espada...)

Calaram o clero no púlpito,

ao poeta roubaram as letras,

o alferes desarmado,

todos no mesmo cárcere...

(estrelas feriam as noites

com suas luzes de espada...)

Vejam como eles tremem

ante o poder da metrópole,

um deles suicidou-se.

Suicidou-se ou foi morto?

(estrelas feriam as noites

com suas luzes de espada...)

Onde abrigou-se a idéia

ante a devassa cruel

que encheu de medo e de asco

as almas dos homens de bem?

(estrelas feriam as noites

com suas luzes de espada...)

Houve sim um julgamento...

Mas como julgar imparcialmente

o crime de aspirar

a liberdade impossível?

(estrelas feriam as noites

com suas luzes de espada...)

E muitos foram a contragosto

no ventre das caravelas

pelo mesmo mar longínquo

onde o ouro era levado...

(estrelas feriam as noites

com suas luzes de espada...)

E marchou o funesto cortejo

pelas ruas da cidade

e quem poderia deter

os passos marcados da história?

(estrelas feriam as noites

com suas luzes de espada...)

No alto do cadafalso

pende um corpo já sem vida,

será o corpo do alferes

ou o corpo da própria pátria...

(estrelas feriam as noites

com suas luzes de espada...)

O corpo em quatro pedaços

cumprindo a real sentença

mas as idéias fugiram

levadas nas asas do vento...

(estrelas feriam as noites

com suas luzes de espada...)

O patriarca engenhoso

ao príncipe dava conselhos

ao invés de colônia império

e não mais andar de joelhos...

(estrelas feriam as noites

com suas luzes de espada...)

A noite de tanto ferida

mudou em aurora radiante

e a liberdade aportou

“libertas quae sera tamen”.

(estrelas não mais ferem as noites

mas apontam novos rumos...)

Rufem todos os tambores

façam soar os clarins,

anunciem aos quatro ventos

que a liberdade é chegada...

(estrelas não mais ferem as noites

mas apontam novos rumos...)

Soergam a memória do alferes,

repitam os versos do poeta,

façam saber todo povo

que a liberdade é chegada...

(estrelas não mais ferem as noites

mas apontam novos rumos...)

Abram as portas do paço,

assinem os novos decretos

Lancem fora os velhos laços

com as cores da coroa...

(estrelas não mais ferem as noites

mas apontam novos rumos...)

“Libertas quae sera tamen”

há uma nova bandeira

com estrelas cintilando

com luzes que não de espada...

(estrelas não mais ferem as noites

mas apontam novos rumos...)

Cantai, cantai povo inteiro

que o sangue derramado

faz pulsar neste gigante

um coração já liberto...

É, as estrelas não mais ferem as noites

com suas luzes de espada

mas apontam novos rumos,

mas por quanto tempo?...

“Libertas quae sera tamen”

Belém 22 de abril de 1978