Sexta-Feira

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NOTA 1: Essa prosa poética é uma narrativa na qual algumas palavras contidas no texto são terminologias ou gírias usadas na época. Foi escrita no final da primavera de 1968, um período muito conturbado da vida do país, e é ambientada no bairro de Campo Grande (Rio de Janeiro). Os personagens são reais, porém com nomes fictícios.

Nota 2: Um texto literário deve ser lido e compreendido tendo-se em conta que este pode ser fictício ou acontecimento de terceira pessoa, narrado na primeira, ou ainda pura abstração. Nem sempre é biográfico.

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Não sei bem que horas são

(Meu roscoff parou às nove),

Mas observando a minguante,

Já bem altinha e clareante,

Podem ser duas, duas e meia,

Talvez três, três e quinze,

Hora de levantar acampamento,

Por que a vida não acaba hoje

Ainda que me agrade sobremodo

O sopro delicado da noite fresca,

Que leva para além da rua deserta

Meus vapores etílicos,

Impregnados de rum ordinário

E que tanto me aviva a alma,

Vou pedir a conta e picar a mula,

Que a hora é essa e o sono chega.

Todavia já é madrugadinha;

Não há mais lotação no ponto.

No táxi, vou deixar uns vinte e sete;

Acho que vou a pé, nesse fresquinho.

Mas a pé os meganhas me arrocham,

Ali, pela curva da ponte velha

E levam minha grana, meu roscoff.

Melhor é negociar na pracinha

Uma corrida com o Dino, o pai,

Pois com o Dino filho é doloroso.

Talvez saia por vinte, vinte e dois;

É isso ou perder cento e trinta

(o salário minguado da semana)

Para os meganhas degenerados

E ainda levar uns sopapos doídos.

Espera; olha que já me esquecia!

Posso muito bem passar a noite

Na casa da Zulmirinha, minha prima,

Recém desquitada, que mora logo ali,

Depois da subida do Cine Palácio.

Mas Zulmirinha deve estar dormindo

E a insone tia Bilu não me recebe,

Temerosa do apetite da filha.

Vou é logo falar com o Dino velho,

Entrar no De Soto cinqüenta e um,

E cochilar no estofado amaciado,

Tratado com benzina pelo florentino.

Dez minutos na estrada e pronto;

Me safo dos meganhas cretinos,

De tocaia na curva da ponte velha,

E durmo tranqüilo, pois já é sábado.

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Luiz Vila Flor
Enviado por Luiz Vila Flor em 25/02/2011
Código do texto: T2813643