NÃO HAVERÁ MAIS AZUL
O azul continuará cinzento enquanto não for reinventado
E de nada adiantará acreditar nas promessas de dias mais claros
Se na mesa faltar o alimento
Se nos hospitais o chão for o leito a todos ofertado
Se nas esquinas a juventude deparar com o inimigo, seu irmão.
Não haverá azul
Se nas escolas ensinarem o egoísmo como a nova regra
Se a gestante sucumbir às dores e seu seio secar
E a criança não ver os raios de sol.
Não haverá mais azul
Se à pele do trabalhador lhes impuser o ferrolho da exploração
E atacado em praça pública, seu sangue derramado não incomodar.
Não haverá mais azul
Se os asilos tornarem-se franquias
E àqueles que viveram por muito tempo
For negado o tempo de vida que resta.
O azul continuará cinzento enquanto não for reinventado
Se às cadeias só mandarem o pobre, o preto e a puta.
E aos hotéis os larápios do povo, os aplicadores dos códigos
E mesmo os negociadores da fé.
Não haverá azul e tudo será cinza
Se à razão negar que se manifeste
E no seu lugar prevalecer a demagogia
E a verdade assassinada por belas palavras.
Não haverá mais azul
Se eu vir andorinhas apenas em fotos
E as focas apenas na lembrança.
Não haverá mais azul
Se à criança for negado seu direito de brincar
Ao idoso de envelhecer com saúde
E os remédios custarem o salário do mês.
Não haverá mais azul
Enquanto nos palacetes dançarem a valsa da gatunagem
E os cristais forem comprados à custa do erário
E nas escolas a merenda não for oferecida.
Então,
O azul continuará cinzento
Enquanto a praça não for ocupada
E sob gritos de “saia”, o imperador não abandonar seu trono.