MOTE PARA UM POEMA DE AMOR
 
Advertência:
Isto é um rascunho, há dias guardado. Escrito a mão no papel. Depois se transforma o rascunho em algo apetecível, a que damos o nome de poema. Isto, portanto, é o rascunho desprovido de sua forma apetecível. Por quê? Porque sim. Porque quero.
 
Aqui deveria vir uma dedicatória:
Vem. Dedico a você, esteja onde estiver, mesmo que o amor não caiba num poema, este pretenso poema onde se pretende caber todo o amor, queira ou não queira que assim seja, para a vida inteira, ou até um de nós morrer, que é quase como esquecer ou não ter motivo algum para lembrar. Dedico a você, certo de que você sabe quem você é. Seria mais simples dizer, como poema, eu te amo. Mas não sou afeito a coisas simples...
 
Modo de fazer:
Palavras soltas, inexatas
Em fluxo de pensamento, insensato
Como folhas ao vento violento
Como sobra de alimento no prato
E folhas de emoções afoitas
Dormindo ao relento.
 
Um poema não vem fácil
Rasga-nos por dentro
E dilacera-nos o peito
Ferve, fere, serve...
 
Uma frase veio à mente
Descosturada de todo o resto
Uma frase perdida do que resta
O sobejo nos escombros
Desejo de se erguer novamente
E se achas que das ruínas nada presta
Razão ou emoção em plena dicotomia
Não alivia não saber qual delas mente
 
Era mote
E com seu bote me surpreende
E me abocanha e envenena
Guarda para depois da cena
De morte no fim do último ato
Que o mote da vida
Com a palavra também envenena
Põe aqui mais luz, mais luz aqui
Ilumina a arena...
 
Ah! Essa minha vida
É pequena, tão pequena
Como a tarde tão amena
Que adentra a noite serena
Pequena como a madrugada
Que acaba antes da última cena
E que se acaba sempre na arena
Onde o amor é tão grande
E a vida tão pequena
Que morre de tão pequena
E se faz menor ainda...
 
Interlúdio repentino e oportuno
Na xícara acabou o café
(O que seria da poesia sem o café?)
O cigarro apagou no cinzeiro
Não sei onde perdi a fé
O gato bagunça o banheiro
E além de tudo isso
Ainda me dói o pé
Esqueci que verso veio primeiro
Mas eu sei o que este poema é
Está aqui desde o primeiro janeiro
A cantar os difíceis dezembros
Que nunca começam em fevereiro
 
(Mata a data! Data a morte certa
a sorte do que nasceu primeiro...)
 
...
 
O poema não vem fácil
Tudo que era belo torna-se rascunho
O primeiro torna-se o derradeiro
Das palavras todas que empunho
Aos milhares não valem um poema inteiro
 
 
Reincidência:
Devia dizer primeiro
Somente que te amo
Para não ser ouvido
Duvido do que clamo
Das coisas que passam
Despercebidas
Que nunca vem
Quando eu chamo
 
E eu me chamo ilusão
Essa grande tolice
Que oculta o verdadeiro
Essa sandice de crer primeiro
Nos engodos da emoção
E me engano se penso que vens
Só porque eu tanto te chamo...
 
Incidência:
Eu te amo assim ausente
Mas não a ausência absoluta indefinida
Amo a saudade que me lembra a saudade
Que era só de esperar quando vinhas
Eu te amo assim no teu silêncio
Não este silêncio infinito e petrificado
Parado eternamente no tempo
Amo o silêncio que sempre fazias
Para não confundir palavras e olhares
Quando me olhavas
Sem confundir quaisquer de teus gestos
 
Eu te amo assim distâncias
Não as intransponíveis e impossíveis
Mas as preferencialmente percorridas
Que nos impusemos impassíveis
Como que se ter entre nossas vidas
Que assim quisemos e assim fizemos
Para o encontro num outro instante
Em que o amor se fartou de partir
E aprendeu enfim a nos habitar
 
Eu te amo mesmo sem teu querer
E é só por querer que eu sei te amar
E, quer queira ou não, só quem quer
É que nunca ama sem querer
 
?
 
E, se quiseres, eu me calo, calo o amor
Só não podes querer que eu não queira
Tudo o quanto quero e quero ainda mais
Porque quanto mais quero, eu quero mais
Esse amor em mim é que quer mais
Quer mais do que eu, o amor quer sempre
 
Quer? Não quer?
Tudo que quiseres
Se quiseres...
O querer
Quer querer?
Ou quer não querer?
Não quer querer?
O que quer?
 
Outro interlúdio
(Agora bastante oportuno):
 
Água, café, cigarro...
E as horas passam rápido
Ou a gente que é devagar
 
Divagar...
A poesia é meio vira-lata
Anda sem rumo certo
Mas nunca vira-casaca
Vaguear, vagabundear
Onde foi que eu parei?

Reincidente:
Tinha que ter uma dedicatória
Que seria mais ou menos assim:
 
Dedico este poema de amor
(Que eu queria que fosse o último...
Mas não vai ser, não vai ser, não vai!
Mas não prometo que seja
Porque depois eu não cumpro)
Descumprindo todo o bom senso
Dedico a ti, amor de minha vida
Para que seja a porta do esquecimento
Por onde sairemos com fome e com sede
Com a ânsia de sempre partir
Mas que traz todas as janelas abertas
Por onde, saciados, saberemos voltar
 
Mas tudo isso seria substituível por um nome
Um nome apenas, só um nome, de todo o amor
Teu nome que nomeia as coisas sem nome
Da coisa inominada a que chamamos amor...
 
Eu te amo assim
Sempre mais em mim
Sem nada saber de ti
Mas não de te imaginar
Ou te adivinhar em sonhos
Amo o que há por desbravar
Tudo que há por redescobrir
Tudo o que há ainda
Por conhecer e reconhecer
Tudo ainda por amanhecer
No mais incerto dia
Tudo o que há ainda
Por renascer...
 
Eu te sinto ausente
A tua falta presente
Esteja onde estiver
Indo ou voltando
Ou nem tanto
E se perdendo
Ou se encontrando
Talvez se enganando
Se acaso pensando
Em mim...
Desentendendo
A falta que não sente
Sentindo o que bem entende
Ou quem sabe esquecendo de tudo
Ou de tudo nem mais se lembrando
(Que lembrar é diferente de esquecer
E que esquecer é não mais se lembrar...)
Esquecendo que o caminho que te arrasta
E que te afasta para essas distâncias sem fim
É o mesmo caminho que te traria de volta
Ou nada disso, esse nada, disso nada
Não ouvindo o que o coração diz
Nem pensando no que o amor sempre quis
Por estar me vendo aqui sempre sorrindo
Por te imaginar feliz...
Marcos Lizardo
Enviado por Marcos Lizardo em 24/02/2011
Reeditado em 29/07/2021
Código do texto: T2812353
Classificação de conteúdo: seguro
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