Um Livro

Meu primeiro livro,

Que comprei sozinho,

Espontaneamente,

Foi um livro de Dostoiévski,

Justamente o derradeiro

– Os irmãos Karamazov –

Ivan, o escritor,

Alieksiêi, o padre,

Dimitri, o militar

E Smerdjakov, o coitado.

“Na verdade, na verdade vos digo

Que, se o grão de trigo,

Caindo na terra, não morrer,

Fica ele só; mas se morrer,

Dá muito fruto.”

Na lápide e no livro

O evangelho de João

Criando a vida na morte,

Como Fiódor criava

Da morte, do crime,

Da religião, da culpa

E da promiscuidade,

Seus densos personagens,

Espelho manifesto

Da sordidez humana.

“Leve três e pague dois,

É só por hoje esta oferta.

Paga agora só um “galo”

E sai com três livros dos bons.

Pode escolher!”

Na voz cantada do vendedor,

Pachorrenta e nasalada,

O mundo a meus pés.

Eu queria levar três

(Dois Machados e um Monteiro)

Mas só dispunha, sobrando,

Fora o do lotação,

De uma “de dez”.

Na pechinha com o fanho

Levei o russo, já roto.

“Jogou dinheiro fora”,

Me disse o chofer (de quepe),

“O livro se desmancha

Antes que chegue em casa”,

Profetizou, sorrindo.

Quase acertou.

Em casa chegou,

Mas gasto, sem capa.

As folhas puídas,

Comidas dia e noite

Por traças famintas,

Tinham cor de ferrugem

E espedaçavam frágeis,

No folhear rude

Do leitor inábill

Mas sobreviveu ao novato.

“Se este livro for perdido,

E por acaso for achado,

Para ser bem conhecido,

Leva meu nome assinado.”

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Luiz Vila Flor
Enviado por Luiz Vila Flor em 21/02/2011
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