Visada Direta
Todos os dias, quando passo pela janela frontal, estaco.
De forma silenciosa e intencional .
Abro lentamente as alhetas da persiana cinza.
Olho direto para o Corcovado, um pouco à direita.
Um olhar de flagrante . Daqueles que se esgueiram.
Pálpebras quase fechadas, só focando.
Pupilas dilatadas espreitando.
Soldado raso vigiando o comandante...
Mas ele está lá.
Todos os dias .
Na mesma posição.
Aconchegante e belo.
Altivo e sereno.
Sinto um alívio profundo. Imediato.
A boca tenta se alongar num sorriso imenso.
Mas resisto !
Quero parecer compenetrada como ele.
E raramente alcanço meu intento.
Sorrio um sorriso maroto.
Olhos apertadinhos. De canto.
Balanço a cabeça devagar, meio inquisidora.
E digo baixinho :
- Eu tô aqui, viu ? E tô te vendo ....
Depois completo, olhar mareado :
- Se sobrar um tempo, por favor, olhe por mim.
E pelos meus também, sim ?
Fecho a persiana e sigo meu trajeto até a impressora.
Mas todo dia, quando faço isso, tenho a exata sensação
de ouvir uma voz. Que brota do alto daquele morro. Rouca.
Ecoando bem dentro dos meus ouvidos. E do meu peito:
- Eu também tô te vendo, hein ? Tô te vendo ....
Claudia Gadini
21.07.05