A DERRADEIRA LOUCA PARA ALÉM DE TODA MEDIDA ESPERANÇA
Não és um homem como os outros. Nunca o foste e eu sempre o soube, assim como o sabem todos que realmente te conhecem.
Neste momento quase mortal da minha vida, pela falência de todas as certezas, pela falência de praticamente todos os modos de existir e de viver que me sabiam e nos quais eu me reconhecia, ainda que o que eu escreva a seguir constitua um atentado ao Bom Senso mais elementar, mesmo uma afronta a Razão, vou escrevê-la, a esta hipótese, a esta possibilidade afinal não mais louca do que as que têm norteado o nosso "relacionamento" há tanta eternidade de tempos.
Talvez estejas usando as palavras como artimanhas, como ardis para que eu me afaste definitivamente de ti. As palavras de acusação velada, de desprezo velado, mesmo de ódio velado ( veladas palavras para os outros, óbvias para mim), as palavras em que afirmas teu esquecimento definitivo de mim, de tudo aquilo que fomos, de todos os universos que partilhamos, quem sabe não correspondam às verdades efetivas do teu interior, mas a um Imperativo Maior que te ordena agir de modo a forçar-me ao abandono de ti, a uma partida sem volta, à renúncia a qualquer gesto de aproximação, em suma: a um Esquecimento absoluto, em mim, de ti, de quem és em mim.
Talvez, para além de todas as aparências em contrário, vibre ainda o teu amor por mim, tão puro, tão livre, tão verdadeiro, tão incondicional que se veste desta abdicação de tudo, que se veste de desprezo e de ódio, que se veste de indiferença e de esquecimento para me forçar a uma libertação de ti, a um esquecimento de ti, o mais fundo, o mais absoluto. Para me por a salvo do teu destino. Para me por a salvo de destinos mais espantosos do que eu seja capaz de imaginar.
Talvez, talvez,talvez. Não devo me espantar nem me julgar mais louca do que efetivamente o sou, pela formulação de tal hipótese. Repito: ela não é mais louca do que as outras todas o são.
Tomando-a, a tal possibilidade, como verdadeira, devo obedecer-te? Devo buscar esquecer-te de vez, para sempre? Após erguer-te hipoteticamente a tal altura, à altura de um Deus de Perfeito Altruísmo, só o que me resta (e isto eu o sei, segundo todas as outras hipóteses também) é o ato de partir de ti, de vez e para sempre, sem olhar para trás? Partir de ti, abjurar, negar-te como Pedro ao Cristo, por três vezes - desculpem, não tive a intenção de fazer uma comparação herética. Enfim, esquecer-te, para que eu possa sobreviver-nos, sobreviver a nós dois?
Na tarde de 11 de fevereiro de 2011.