E paira, insidiosamente, no ar, solta, uma frase de Fernando Pessoa:
“O que me dói não é o que há no coração,
mas estas coisas lindas que nunca existirão.”

 
 
Depois de um tempo, tudo parece ficar normal
Mais que isso, parece ficar normal demais
Uma pedra bem no meio do peito
Uma pedra no meio do caminho
Um caminho de pedras
Uma pedra no sapato
Uma pedra na cabeça
Uma pedra posta em cima de tudo
 
E endurecer...
Do alto de minha solidão olho para baixo
As pessoas e suas buscas que são fugas
E a solidão é só o maior encontro
Ando de mãos dadas com a tristeza
Sem equívocos ou ilusões
O que é triste não é mais nem menos
O que é triste é só isso o que é
E as pessoas ostentam máscaras de alegria
Sem elas são mais tristes do que podem ser
 
Depois de um tempo, tudo quer ficar normal
E qualquer noção disso é tão abstrata e sem forma
Qualquer desejo de grandeza é tão pequeno
Tanto quanto efêmero e não serve de nada
(Como de nada adianta alguém ver nesses versos
Uma pretensa arrogância de minha parte
E dizer de minhas palavras umas palavras menores ainda)
 
Endurecer mais ainda...
Mesmo sem querer, aceitar essa impossibilidade
Essa incapacidade de ver e sentir, de ser, de querer
O amor? De todos talvez o maior equívoco
O engano compartilhado e tão universal
Tão mal disfarçado por debaixo das máscaras
Onde as lágrimas são mais reais e tocantes
Do que a mais parca noção de elas haverem
 
Depois de um tempo, tudo já é tão normal
E parece ainda mais normal do que pode ser
O vazio no peito e a pedra bem no meio
A solidão e a tristeza, o silêncio imenso
A escuridão de nossos pensamentos
Os sorrisos postos em lugares errados
Os malfadados sonhos já tão iludidos
Parece normal este passeio pela sacada
Este cigarro tragado com sofreguidão
Essa vontade de tudo acabar bem agora
E olhar abstratamente algum infinito
E deitar a espera de mais uma aurora
E depois nem tudo é tão normal assim
Nem era nem nunca foi e nem será ainda

Guardem suas pedras! Engulam as pedras!
E guardem-se dos espelhos, todos os espelhos
Que eles nos revelam impunes as máscaras
Guardem-se desse olhar para dentro
Guardem-se desse caminhar nas trevas
Guardem-se de adorar esses silêncios
Guardem-se de si mesmos
Bem fechados a sete chaves
Guardem-se das pedras que atiram
E tirem as pedras do meu caminho
Marcos Lizardo
Enviado por Marcos Lizardo em 10/02/2011
Reeditado em 29/07/2021
Código do texto: T2783482
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