PASSAGEIRO DO TREM ENCANTADO! Um relato dos nossos sonhos pela vida afora!
Vivemos como se viajássemos em um Trem Encantado, sobre imaginários trilhos. Inicialmente, no recôndito do nosso Lar, em nossa cidade natal, a locomotiva também imaginária, tem um comando especial: os nossos pais, que nos trouxeram à vida, como aos nossos irmãos, que com nossos avós, tios e primos, formam a nossa família. Iniciamos desde muito cedo, esta romântica e maravilhosa viagem, a começar pelos mimos dos papais, o leite materno, a mamadeira, os banhos mornos, passamos a engatinhar, a pronunciar as primeiras sílabas, as palavras... Papai, Mamãe, tudo isso sob a energia de um sentimento transcendente, ao qual denominamos de Amor.
E é o Amor que dirige o nosso Trem Encantado.
Neste início de aventura, tudo é novo para nós e a cada momento nos deparamos com objetos novos, novos brinquedos, novos ambientes, novas paisagens, pessoas novas, os primeiros amiguinhos de infância. E enquanto tudo isso passa, nosso Trem Encantado desliza vagarosamente sobre os trilhos imaginários, como se vivêssemos um Conto de Fadas... Em sua trajetória o Trem Encantado nos abriga no primeiro vagão – com nossos camarotes, sala, cozinha e banheiro. Neste ambiente familiar vamos crescendo e passamos a conhecer o mundo exterior, aproveitando cada parada que o Trem Encantado faz, em cada Estação. Aí vamos conhecendo novos vagões que andam quase atrelados ao nosso, uns mais próximos, outros mais distantes, todos, entretanto, a fazer parte desta magnífica e longa viagem.
Enfim, passamos a um grande vagão que é bem maior que o nosso. Lá, são vários vagões dispostos uns depois dos outros, em ambientes divididos por corredores, onde todos desfilamos desde cedo para aprender com mestres especialmente treinados para nos alfabetizar e levar-nos ao final do curso fundamental. Um novo mundo abre-se aos nossos olhos! Tudo é novidade. A professora conta histórias, mostra-nos livros com histórias e figuras de Branca de Neve, de Chapeuzinho Vermelho, dos Dragões de 7 Cabeças. E a cada dia tem uma história nova para nos encantar. Eu sempre achei esta parte da aula, a mais prazerosa. Todos atentos – entrando no mundo imaginário das fábulas! E os gênios do bem a vencerem sempre os personagens maldosos, que só queriam fazer alguma coisa errada para levarem vantagens, em detrimento dos bons. Ao final, o bem prevalece e sempre aparece alguém para salvar aqueles que necessitavam de ajuda, quando sob ameaça iminente...
Lembro-me das brincadeiras com os amiguinhos, irmãos e primos... Velocípede, bola de gude, açude barrando a enxurrada, palito na bunda da tanajura, pipa, balões no São João, peão, rodas de pneus, carros de rolimãs, tirar frutos nas árvores, caçar passarinhos com bodogue, futebol, handbol, vôlei, salão, tiro ao gol, colecionar figurinhas, carteiras de cigarro vazias, sinuquinha, sinuca, bilhar...
Enfim, ganhamos a primeira bicicleta. Havíamos sido aprovados no exame de admissão ao ginásio, outra etapa da nossa vida a ser cumprida em outra cidade, maior que a nossa. E lá vamos nós, em outro Trem, rumo ao desconhecido... A adaptação não foi muito fácil, já que saímos pela vez primeira do seio da nossa família para lidar com pessoas desconhecidas, à exceção de dois coleguinhas cujos pais fizeram a mesma opção de estudarem no mesmo colégio interno. Ali as coisas seriam diferentes. Nossos privilégios deixaram drasticamente de existir. Éramos 30 internos, dormíamos num imenso salão, camas ladeadas em duas filas com uma passagem no meio. Um único banheiro para servir a todos. Nossa roupa era cuidada por nós, fazíamos o rol e enviávamos determinado dia da semana para a lavadeira que ia buscar a trouxa de roupa suja e a devolvia, limpinha e passada, dois dias depois... As refeições eram de péssima qualidade, apesar do preço alto do internato. Tínhamos mesada e assim íamos passando, a comer guloseimas e refresco de maracujá, torcendo para chegarem as férias!
Como esse tempo demorou a passar!
Um ano depois pedi ao meu pai para me transferir para a capital, onde esperava melhores acomodações. E este meu pedido coincidiu com a ida da nossa família para Salvador. Os irmãos que estudavam no Rio, em Poções, em Jequié, todos juntos fomos morar em São José de Baixo, onde papai comprou uma casa grande, de nove quartos. Daí em diante passamos a viver melhor.
Aí veio a fase da puberdade e da adolescência, histórias em quadrinhos, a música, a poesia, a leitura de belos romances, os sonhos, as alegrias e as tristezas que sempre nos acompanham pela viagem toda! A primeira namorada, conhecimento de novos colegas, fui estudar no ICEIA que congregava 5 mil alunos nos três turnos de funcionamento. E lá permaneci até o término do curso pedagógico, formando-me professor, aos 19 anos de idade. Aliás, fiz a vontade da minha mãe que foi uma professora emérita. Além disso, tive o prazer de ensinar no mesmo colégio que ela lecionava, em Salvador...
Aos 20 anos, passei no primeiro concurso público que prestei e fui nomeado para o gabinete do Secretário da Educação de então, o deputado estadual e escritor Wilson Lins de Albuquerque, de quem tornei-me amigo, apresentado que fui pelo colega de sala do ICEIA - Luiz Gonzaga do Amaral Andrade, parceiro de política estudantil, meu secretário quando presidi o Grêmio Estudantil por dois anos.
Continuamos nossa viagem em uma variante daquela estrada imaginária que comecei a descrever no início e passamos a viajar em outra composição que tinha várias facetas. Nesse ínterim, conheci o escritor Jorge Amado, em sua casa do Rio Vermelho, acompanhando o escritor e grande amigo Wilson Lins. Daí em diante passei a conhecer os bastidores políticos da Bahia. Era muito bem recebido pelos homens do poder, já que servia no Gabinete do Secretário da Educação. Ao término do mandato do secretário, eleito deputado estadual, fui nomeado seu Assessor Parlamentar, aos 21 anos de idade. A Assembleia Legislativa da Bahia funcionava na Praça da Sé, onde hoje é a sede da ABI – Associação Bahiana de Imprensa, à qual tenho a honra de pertencer desde 1978...
Nem sei se esta é a história que eu desejava contar, mas não consigo fugir daquele Trem Encantado que desencantou-se com a morte súbita de meu saudoso pai, que nos deixou com 22 anos e a nossa casa sem cumeeira. A mãe adoeceu, foi ficando depressiva e partiu cinco anos depois, traçando uma linha de separação entre todos nós. Cada qual foi procurar seu canto, alguns já casados, foram morar em suas respectivas casas, em variadas localidades, outros continuaram na casa de São José de Baixo, onde uma delas ainda se encontra. Eu fui para o Rio de janeiro tentar a sorte na música. Gravei dois compactos na RCA Victor e na RGE Fermata, já trabalhava no jornalismo e foi na profissão de jornalista que labutei a minha vida toda, a partir de então. Corria o ano de 1971...
Nosso Trem Encantado não funciona mais. Algumas composições ficaram espalhadas por muitos locais, nem sempre próximos. Passado mais algum tempo perdemos a nossa Loló que ajudou nossos pais a nos criar.
O nosso irmão Ernesto, que era advogado em Poções foi o primeiro irmão a nos deixar, aos 51 anos, de morte súbita como o papai. Passadas duas décadas, a irmã Marilze também partiu. E agora neste Natal de 2010, as irmãs Nadir e Rosa nos deixaram, assim, de repente, no espaço de poucos dias, entre 18 e 26 de dezembro. Éramos 10 irmãos, agora somos seis vivos: dois homens e quatro mulheres. Como saber quantos seremos, ao final de 2011? É certo que nosso porto está próximo, que nosso Trem fará uma parada final para cada um de nós, a qualquer hora, sem um apito, sem um sacolejo...
Sabemos que a nossa viagem está se consumando, que um dia chegaremos ao nosso porto. E quando isso ocorrer, esperamos estar aptos a reencontrar nossos entes queridos que abriram o caminho em outra viagem para uma nova dimensão. Quem sabe viveremos outras jornadas na fluidez imaterial da energia cósmica que nos faz ser?
A vida tem sido para mim uma viagem encantada pelos rios e mares, cujas ondas, ora serenas, ora agitadas, nos vêm levando ao remanso do nosso Lar.
Temos uma família, amamos nossos filhos e esperamos que eles sejam felizes em sua passagem pelo Planeta Gaya. Que o Trem Encantado que nos transportou durante tanto tempo, ainda exista para eles e tenha a importância que teve para nós.
Toda a nossa viagem foi feita de sonhos, projetos e sonhos, grande parte deles realizados, outros desfeitos pelos caminhos. Cumprimos a nossa parte neste mundo. Vivemos do trabalho, vivemos para fazer o bem e não deixamos mácula em nossa passagem, a não ser as perdas que tivemos, tanto dos parentes quanto dos amigos que foram ficando pelos caminhos tortuosos que somos obrigados a percorrer, naquelas vezes em que nossa composição faz manobras em linhas secundárias...
Em nosso trabalho político, ajudamos muita gente, realizamos muito trabalho na área cultural com seriedade e perseverança. Muitas vezes fomos injustiçados, vilipendiados, esbulhados, mas isto faz parte da missão que cumprimos com abnegação e amor, ferramentas que sempre utilizamos e caracterizam todas as nossas ações.
Hoje temos filhos, netos e bisnetos. Às vezes até duvido que tenha conseguido ter bisnetos, pois não conheci meus bisavós maternos e paternos! Enfim, aos 71 anos de idade, parece que ainda vivo aos cinqüenta anos, não fossem alguns males que tive de enfrentar, nada que me tirasse a vontade de viver, ainda bem... Por falar nisso, essa noite tive um sonho terrível. Nesse pesadelo, me vi morrendo, próximo da minha cama. Tentava em vão chamar a atenção da minha mulher que dormia, mas tudo em vão. De repente, aquele torpor, uma dormência mortal tomou conta de mim e eu desfaleci. Imediatamente acordei com uma tremenda arritmia e a pressão arterial alta. Levantei, fui até a sala, coloquei o tensiômetro e constatei que deveria tomar mais um captopril! Que noite conturbada...
Ainda temos alguns projetos a executar e o tempo dirá o que conseguiremos alcançar. Se a saúde permitir, se o pesadelo de ontem não se consumar antes dessas execuções e se o nosso Trem não descarrilar a qualquer hora, numa curva do caminho!