LEMBRANÇA DE SIDARTA

Lembro de Sidarta, o que abandonou o caminho seguro da casa e do brâmane, seu pai, para atingir o Conhecimento e nesta procura precisou trilhar o escuro dos caminhos, o precipício das profanas palavras, do amor profano, dos profanos pecúlios.

Lembro de Sidarta, o que se estiolou na dor da busca do filho - seu derradeiro amor humano - antes que as sombras do Ego se desfizessem por si mesmas.

Lembro de Sidarta, o que trilhou o caminho para o Divino o qual, apesar da presença de Maya, nunca esteve ausente de seu Ser.

Lembro de Sidarta e sua lembrança faz com que eu doa ainda mais em mim, neste insuficiente e gasto rosto humano - gasto antes do ganho - saudoso e carente do não-vivido e prenhe da pergunta: Haverá ainda tempo e espaço e direito para os simples e profanos e humanos gestos como os do amor individual, esse bem particular entre dois seres feitos apenas de corpo, desejo e sonho?

E dói, e dói e dói este insuficiente corpo, este corpo de represadas águas, este coração cansado de renúncias, sem lembranças de ganho algum que durasse. E dói e dói e dói este ser simplesmente humano, saudoso e carente só do amor humano, saudoso e carente de vida sem nenhuma pergunta para além de cada um de seus claros e de seus escuros momentos.

Do livro CRAVO VERMELHO TERNO BRANCO, inédito, escrito e "publicado" para um único leitor, em 1991.