APRIVOISÉ
Os dias são terríveis.
Por cima dos mesmos verdes, sempre cantam ocultos os mesmos pássaros de que nunca falo - nem sei porquê. Talvez pela monotonia repetitiva dos mesmos trinados saturando-me de beleza á exaustão a inocência das manhãs. Sempre.
Mas depois o espírito embota-se e começa a não escutar tanto, dando vez a outros detalhes mais difusos e menos exigentes de atenção imediata, que me rodeiam e emprestam ao dia as glórias fantásticas de tudo o que o compõe, muito para além de tudo o que faço.
E quando chove, e me agride como um grito a ausência daqueles trinados que até há pouco me saturavam ( oui, ils m’ont aprivoisé, les petits salops... ), surge em seu lugar a voz em baixo-forte das folhas grandes das bananeiras, o coro estranho das copas das árvores, filtrando ventos molhados e – um pouco por todo o lado – a beleza de chumbo da tempestade necessária, trazendo água e vida.
Depois virá o sol, novamente, e do solo subirá vapor que um dia será a chuva que irá interromper o canto dos passarinhos novamente, enquanto eu faço outra coisa qualquer, quase exasperado.
Mas o sol está tardando, e o silêncio dos pássaros faz coro com o das folhas das bananeiras, numa paisagem onde não há mais verde, mas apenas cor de lama e terra. Onde não há mais chuva, mas morte e destruição impondo-se á inocência das manhãs, muito para além de tudo o que faço.
Da magia dos dias, sem transição, passámos à monotonia do regresso ao barro primitivo e devastador.
( Imagino que os pássaros, cansados de não serem levados a sério, tenham mudado seus ninhos para algum lugar onde não chove, e tentem exasperar os poetas de lá. De qualquer forma, é quase certo que as bananeiras sejam raquíticas e quase não tenham folhas... )