Choro

Ar puro. Puro. Um cigarro de acompanhante. Um computador pro prazer. Satisfeito. Deito pra recarregar. Plugado no travesseiro vago pelas ruas cariocas. Os limites estão exatamente nas paredes do paralelismo universal. No quarto que adoto. O momento é inoportuno. Justifico.

Além das manhãs o sol pretende chegar, atravessa a escuridão dos meninos de rua que sem esperança assaltam a velhinha de Copacabana. Um choque atravessa a mente da inocente idosa: nunca recusara uma esmola, todos os meses entregava 1kg de alimento para a senhora que vive na praça em frente ao seu prédio. Empacotaram seu coração quando levaram a sua Louis Vuitton. 83 anos. Há 60 a velhinha do 1703. Como poderiam esses moleques lhe fazer tal mal?

O mundo vive, permanece ignorante. Eleva suas utópicas metas e esquece de si. Jaz no poço de inesgotáveis incertezas. O medo generaliza a vida alheia e rouba as sombras dos perambulantes pedestres que seguem freneticamente rumo ao nada. Descontentes de suas realidades os passageiros da vida culpam os outros pelo trabalho realizado na tal entidade: sociedade. Ah essa malandra do cotidiano humano, que egoísta como sempre se desculpa por preferir a si. O conceito de olho por olho nunca fora tão plenamente executado, se não por ela. Defende-se de toda forma de acusação.

Glória ao pai e a Deus nas alturas, gritaram duas irmãs ao meu lado exatamente agora. FODEU! Lembra da minha voz? Esqueça. Pense no pastor da igreja vizinha a sua casa orando, sendo salvo enquanto você garante seu lugar no anti-oásis, lugar gostoso de viver. Viva os mundanos! Abaixo o puritanismo! Seja gente. Carne. Osso. Alguns litros de sangue. Muita malícia. João que me amava tanto, e me conhecia tão pouco poderia explicar esse surto anarquista anti-aglomerados de conservadores.

Era uma vez eu, que não sendo eu, mas sendo Flávio. Preso às tradições, às fugas das normas, ao brazilian way. Vontade de vomitar... coma-me. Flávio que é o antagonismo. Quebrador de copos de bares pé de chinelo, cheirador de sal iodado, queimador de açúcar mascavo, profeta dos ateus, amador de vadias e travestis, marido da tua mãe! Ele que te bateu por derramar o leite no tapete da sala, que te esbofeteou por dizer a verdade, que comeu a tua mãe enquanto você escutava, que olhou pros seios da sua irmã quando ela fez 13.E você Antônio, que o esfaqueou enquanto ele tomava leite na boca da caixa, que comeu ele por trás, que deixou o corpo na cozinha, que a tua mãe quase desmaiou mas ainda assim o escondeu. Corre agora. Corre que a gente quer te linchar. Corre que a gente vai te pegar. E a gente gosta de fazer justiça com as nossas próprias mãos coletivas, apesar de tantos deputados estarem nos roubando. Seu monstro! Vem cá.

Eu: morto. Flávio-eu: morto e estuprado. Antônio-eu: morto. Eu: Morto e estuprado. O povo: feliz. O povo-eu: satisfeito. Você: chora.

Pedro Igor Bento
Enviado por Pedro Igor Bento em 13/01/2011
Código do texto: T2726782
Copyright © 2011. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.