A SAUDAÇÃO DO PEQUENO GIRASSOL

I

Tentei te fazer viver

ah, como eu tentei!

A morte foi sempre

mais poderosa do que eu

e ditou-te sempre as regras

da vida a morrer.

A morte venceu-me, sempre,

forçou-me a abdicar

de toda luta

por tua vida.

A morte

obrigou-me também

a morrer.

Diante da tua morte anunciada me quedo inerme em frente ao espelho, em frente a um espelho inútil que não me vê mais, por mais que ele, espelho, me tente ver.

Toda a minha tarefa no mundo se resume, a partir de agora, a tentar sobreviver a esta perda da nossa imagem no espelho; sobreviver à morte por ti anunciada, sobreviver também à morte de uma bailarina-fada que te habitou os sonhos; sobreviver, 22 anos após o dia, o momento em que, pela primeira vez, o teu e o meu olhar se encontraram e nos dissemos: “Muito prazer”.

Se, em verdade, tudo o que sempre quiseste foi que morrêssemos juntos, por que nos poupaste disso há 21 anos? Afinal, por que nos adiaste tal morte? Para este confronto com ela, agora, 21 anos depois, na sua face mais terrível, talvez mesmo irremediável?

II

Esta noite sonhei com a imagem de um pequeno girassol, imagem refletida em espelho vazio, vazio de qualquer outra imagem. No espelho vazio, “em branco”, a imagem do pequeno girassol.

Se há um girassol, há necessariamente um Sol. Se há um Sol, há um mundo novo para ele iluminar, um mundo novo que haverá de nascer, um mundo novo que, por agora, se mantém oculto para se proteger.

No interior da terra uma semente, protegida de tudo, sabe que haverá de nascer, de novo planta, de novo palavra, de novo eclosão de um mundo-criança.

A volta ao início. A volta, vital necessidade, ao recomeço. Os sete anos de pastor, independente da desistência ou do esquecimento do pastor, sempre recomeçando, a volta, desde a raiz de tudo. A partir do equinócio de março, quando começa a primavera na Europa e o outono no Brasil, de novo o nosso 1º ano, pela 4ª vez; o começo do nosso 4º ciclo. E não me digas que minto; tu, no mais fundo de ti, sempre haverás de saber que não: eu não minto.

No interior da terra a semente silenciosa, a semente sempre-viva, a semente que compreende a linguagem das pedras. No interior da terra, entre as pétalas do coração.