Pelos caminhos de Dante
Da janela o arrebol entristecido o menestrel contempla... Com um pudico olhar mira o astro-rei que já roxo e trêmulo no horizonte anêmico fulge e se desdobra igual à túnica da vida à relva sombreada se abre e ao desalento se dobra... Álgida brisa pelas frestas do instante o lívido semblante acaricia e deixa o tempo hesitante...
No sorriso o reflexo da intensa dor a afligir-lhe a alma que em vão moribunda e sem destino vaga... Cavernosa realidade que de uma gutural vontade desejos ardentes pelas desvalidas entranhas vive uma maldita saga... De lassidão esmorece a esperança ante o insurgente reflexo que em face de um sobranceiro e alvorotado ‘não’ o palor a fronte vacila...
Volita suspensa pelos hemisférios da loucura uma íris furta-cor sobre as róseas pomas... Belo vislumbre a se dissipar, como a névoa ao fulgor do acanhado oriente foge, - embora flutue bem displicente e à par... Perde-se nas desembocaduras ofegantes e duvidosas do abstrato... Sideral grito um eco por entre as fendas cósmicas ressona tensas agonias...
Lamenta à distância a penha retorcida... Da ânsia mortal o reflexo demolido... Vômitos cadavéricos um chão de mágoas inunda... Transborda... Às lágrimas sentidas o barco da emoção a dor ao fundeadouro da existência aporta pesadas cicatrizes... De flores infecundas às intensas expiações copiosamente lamenta: não, não, e não!... – Se açoita com as angulosas farpas do destino...
Em contraste à fobia da decepção peita o anômalo sentimento: não turve o sonhar deste já morto, oh alvissareiro pincel da ilusão!Sagre ao menos à mesa farta da oração o último anelar desse imbecil espectro que à hibernal mocidade ao nada mais tem a perder a não ser a própria carne a este já visceral verme...
Exauri-se ante o sofrimento... No vale das sombras se perde... Cavaleiro apocalíptico da escuridão portentoso em contraposição à oblíqua claridade das profundezas do inferno ressurge... Numa das mãos à ponta do cajado uma lâmina rutila... Estende-a... Pela jugular o mórbido vate com violência para si puxa...
Abre a medo os lábios convulsivos... Trêmulo ainda encontra forças e, em aferro, afronta-o: - Chegai-vos tarde, oh príncipe das trevas! Demoníacos risos por alguns segundos à esfera celeste retinem... Logo vem o mordaz silêncio... Da voz estridente e amaldiçoada uma advertência os tímpanos os hieróglifos paradoxais letais verdades antecipam... Aconselha o errante ser: ainda não vos é chegada a hora... Despertai!... O paraíso à sua frente está... Não vivais em vão... Às asas indeléveis do amor inda vivereis... Aprendei a enxergar além de si mesmo e vos obterá à tão inflamada resposta... Bastai acreditar nas forças subjetivas do além-ser, pois não só de desgraça vive o homem...
Um cheiro de enxofre o ar esparge... Desaparece o Senhor dos Abismos... Deixa no frontispício uma fuligem oleosa de exangues verdades... Incensos messiânicos à natureza exalam... Enoveladas fragrâncias às névoas se azafamam...
Despede-se no ocidente o já doentio ocaso... Embala-o com carinho a dama da noite... Num sísmico volteio de cabeça das cinzas à vida emerge, qual ‘Fênix’ do desértico sepulcro alcança um céu de ônix... Olha para os lados... Vê do espelho da vidraça ao lado um crucifixo que ao clarão da equidistante lua milagrosamente se revela e o afasta de vez de toda essa esdrúxula realidade...