QUATRO DESTINOS
O primeiro com as suas quatro pontes de safena - uma entupida - e a vida suspensa por um fio.
O segundo sempre à deriva no centro do seu tempestuoso oceano interior.
O terceiro ao longo dos dias perseguido pela sombra dos filhos extintos sem explicação.
À beira do cais inútil eu, a olhar nossos destinos, a olhar nossos navios a se perderem, a se partirem nas águas sem nenhum sentido, em nenhuma direção.
Pela vida do primeiro orei, na hora da sua antiga e primeira agonia. Orei, de joelhos, perante o olhar de todos, diante de uma cruz ao ar livre. Orei, com as palavras que não conhecia, perante o Deus do qual, até então, apenas ousara duvidar da Existência. Orei, pela sua vida, a vida deste primeiro, sentindo que orava pela minha própria vida.
Pela vida do segundo enlouqueci, para lhe ser solidária na loucura.
Pela vida do terceiro incorporei, na pátria "própria", a sua inalienável solidão de estrangeiro "aqui e em toda parte".
Hoje me dou conta: nenhum deles conseguiu (quem sabe, no interior de si próprio, cada um tenha ao menos tentado) alcançar sequer vestígio ou sombra da face da minha mais recôndita solidão.
Alguém dirá: "É preciso sempre oferecer a outra face".
Dirá, um segundo:" Nunca se deve esperar nada em troca do que se dá".
Um terceiro: “Baste, a cada um, a própria cruz.” Leia-se: Quem, por orgulho ou carência, ou seja lá por quê outro motivo obscuro julgue poder transferir para os próprios ombros, ainda que pequeno pedaço do lenho da cruz alheia, descuida-se da tarefa de carregar, com plena honra, o peso da cruz própria, alienando-se, assim, do seu efetivo destino no presente mundo.
Não consigo, no momento, pressupor o que diria um quarto alguém sobre o caso em questão; logo, o deixo em aberto.
Três homens, três destinos, a mesma incógnita. Três vidas, três perguntas sem resposta.
Três silêncios, três vulcões, três cidades de Pompéia.
Uma mulher em três tempos. Três vertigens. Três palácios. Seis renúncias. Quase três décadas e meia.
Três reis para uma rainha três vezes destronada. Três reinos em ruína.
Três sem-razões. Três sem destino. Três Dom Quixote sem Sancho.
Três enganos. Três plantios sem colheita. Uma fiel para três ritos. Três ritos sem nenhum Deus.
Três sentidos sem veredas. Três veredas sem saída. Uma rebelde sem três causas. Três causas sem consequências.
Três barcas de esquecimento. Três passageiros sem óbolo. Uma mulher carpindo o derradeiro sonho morto,o inútil sonho morto derradeiro.
Flores para o sonho derradeiro a morrer... na noite sem retorno.
Quase três décadas e meia:três Odisseias diversas, unidas em único colar de contas-sem sentido, rua única para nenhuma direção.