Eu nunca entendi bem o porquê de meu medo de voltar as minhas origens. Acho que nem posso definir como medo, eu diria que é algo maior. Falo de raizes que nasceram e se fincaram em mim. Elas lá estão, por mais que aparentemente as ignore. Falo de um chão, de pessoas que se vão. De águas que barulhavam no meu quintal. E, quando vinha a famosa cheia, deixava-me extasiada. Um medo recheado de euforia me preenchia. Apesar do forro de madeira, respingavam gotas de chuva em mim. Apesar das enormes paredes, me sentia exposta ao vendaval. O grito do vento era forte, ameaçador. Apesar das ordens da avó...Lá ia eu a correr para o quintal sob as parreiras. Um tapete de lodo verde me fazia dançar. E, lá estava o famoso muro, quase muralha a me servir de página. Lá ficaram meus primeiros versos, gravados nomes, sonhos, lá um pouco de mim ficou. O rio, com seu roncor, me chamava. Era um apelo irresistível e logo atendido. Seguia-o até a pequena cachoeira cercada de borvoletas alvas, perfumadas que se esfacelavam com os pingos de chuva. Os lajedos escorregadios não me metiam medo. Desafiava, e a chegada no alto da cachoeira era o premio: uma visão divina. Sentia-me forte, plena.
De volta, roupa colada ao corpo, um prazer indescritível na alma, pouco escutava das palavras duras de minha avó. No fogão á lenha, o bule exalava o perfume do café moca plantado, colhido, torrado e sorvido alí mesmo... Minha avó ciscaria as brasas e assaria queijo de qualho. Tiraria da burra (outrora cofre) as bananas mais doces para alimentar a neta fujona. A enorme mesa juntinho ao fogão era quase debaixo das parreiras de uva, e durante a chuva, gotas respingavam no meu rosto. Um sonoro sai daí menina, não adiantava. Além de fujona, atrevida.
A vida fervia em mim, explodia por todos os poros. Mal os carões acabavam, uma troca rápida de roupa, e lá estava eu novamente pronta para mais uma aventura. Quem sabe acompanhar Zé Reinado em suas caças na floresta á cata de orquídeas. De posse de uma enorme vara, ele desaninhava as coitadas e as jogava dentro de um saco. Eu não entendia bem, mas alguma coisa estava errada. Quando eu voltasse á mata, onde estariam as orquídeas roxas, perfumadas? No meu entender, só no dia de São José era permitido catar todas as flores, dos jardins á mata. Mas, justa causa. O santo precisava desfilar pela rua no seu andor coberto de flores.
A terra fértil gerava pessoas indolentes. Frutas e mais frutas por todo lado. Mangas espada, rosa, manguito, jasmim. Cajús de todas as cores, iam do vermelho ao amarelo passando por todos os tons de laranja. Jacas imensas se esbagaçavam no chão com a queda e espalhavam gomos e perfume por todo canto. E, as bananas? Maçã, prata, anã ( a maior de todas) e a famosa inajá, pequenina, rosada, de casca bem fina, doce como mel.
Na verdade, falo de um paraíso escondido no meu coração. Ele ainda existe, mas voltar lá deve doer demais e não sei se resistiria tamanha a emoção. Mas, quem sabe um dia, eu amanheça saudosa demais e um pouco enlouquecida o suficiente para partir em direção a VILA MAIA.