Abre a boca e fecha os olhos!
Destapa o ouvido, um grito vem!
 
Sou um poeta, senhoras e senhores!
Menos do que vós (mas ó pobre de nós)
Com tantos desses nós na garganta
E a poeira nos olhos
E essas dúvidas assim profundas
E a funda ferida arde imensa
Na intensa lida infinda da vida
De se fazer poeta e não ter comida
De ser muito menos do que se pensa
E, se acaso pensar, ser muito menos ainda
Sou um poeta, meus cúmplices!
Que gastam impunemente comigo
As horas mais lindas da vida
Na desescalada arte de escrever
O que nem entendem...
Desenhamos horizontes e auroras
E entardeceres magníficos
E toda noite linda que adentra
A grota profunda do pensamento
Para se esvair em plenos silêncios
De madrugadas vazias sem alimento
Sem remédio ou antídoto para o veneno
Que nos corre no oco das veias
E temos de ser essa síntese
Essa falta de explicação
Do silêncio, da saudade e da dor
De cada verso que se cisma a esmo
De eu me fazer poeta e não ter amor
E de amar e esquecer de mim mesmo...
 
Sou um poeta, meus irmãos de desventura!
E sonhar é meu ofício
O pensamento a ferramenta
E a palavra a mercadoria
Sou um poeta, seus tristes disfarçados
E amar é minha sina
Sofrer é acidente
A tristeza, de repente, é companhia
E a solidão um merecido castigo
Atenção! Num verso a vida ensina
Não queiram sofrer comigo
Quem sonha sempre desatina
Quem vive corre perigo
Sou mais o que não se atina
Não se encantem com o que digo
E com tudo que no silêncio persigo
 
Sou um poeta! E vós, meus mortos preferidos
Sou o não ser no tempo, mais imortal do que se imagina
Um dândi da miséria cantada e sonhada dos desvalidos
Esse deserto ermo onde vossa vida tão já termina
É só a saudade de meus tempos idos...
Marcos Lizardo
Enviado por Marcos Lizardo em 04/01/2011
Reeditado em 29/07/2021
Código do texto: T2709237
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2011. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.