Quando o jardineiro chegou olhou por um bom tempo a plantação e disse, “só cuidarei da parreira se antes desbastá-la” ela aceitou a proposta depois de ver tanta segurança em tão poucas palavras.
... Dia após dia ela voltava à parreira, seu coração doía vendo a nudez de suas vinhas, o tempo da poda foi sofrido, mas, seus galhos cresciam pouco a pouco, suas folhas miúdas iam ganhando formas e um verde semelhante à esperança espalhou-se por toda a plantação
Seu coração andava solto na sua ansiedade, por meses ela desejou ver frutos em suas videiras
Suas idas e vindas desgastou-lhe as sandálias e seus pés já sangravam... Por mais que ela se doasse, a natureza não quis mudar o seu curso, seu esforço era inútil, as uvas viçosas, esperadas e desejadas não nasciam o ano passou e com ele seus sonhos se foram... Porém o jardineiro aquele que desbastou sua parreira, continuava lá, alheio ao seu lamento, podando galhos que sobejavam, cantando suas canções como se não houvesse sofrimento...
Ele não lhe dizia palavra alguma que abrandasse seu desespero, por mais que ela se doasse, nenhum conforto vinha do jardineiro.
Sua inquietação incomodava a si mesma, mas, manteve-se longe, na colina que distava ainda que pouco da parreira, e contemplava o jardineiro e as videiras, o carinho com que tratava sua plantação a encantava, suas mãos corriam pelas folhagens cada vez mais fortes, cada vez mais verdes, seu sorriso leve anunciava os frutos que ele daria a ela, de longe a avistava, sentada no alto da colina, com as mãos entre os joelhos. Desejava saber em que pensava, quando incansavelmente o olhava...
Ela, no entanto, esperava que o vento a levasse, a diluísse e a transformasse em chuva (sempre desejou ser chuva) e assim pudesse ser derramada sobre a sua parreira e molhar o jardineiro...
Ele desejava mais, ainda que por tanto tempo nada falasse mantia seu coração preso a ela, atento aos seus movimentos, no fundo ele temia que ela desistisse que se cansasse...
Pois, vendo, a espera é suportável e, a esperança resiste. Não vendo o que tanto se deseja, a espera se transforma em fé.
Fé era o único bem que ela possuía, que a fazia subir a colina ao romper de todo dia, quando a dúvida lhe tomava, sobre sua aflição ela dormia, ele arredio nada dizia e isso moveu as águas dentro dela transformando em amor aquela agonia. Finalmente os frutos podiam ser colhidos, jardineiro e poetisa em silencio nos cestos os recolhiam, nenhuma palavra, nenhuma canção se ouvia. Fechou-se o ciclo, as uvas estavam no lagar.
Seus olhos se cruzaram, suas mãos se tocaram, seus corpos se uniam.
Ele tomou o mais bonito cacho de uvas e trouxe a ela, falando pela segunda vez e certo de seu amor disse: “tome as uvas, mas, não disperse este jardineiro” Ela já desejava mais e entre uvas, desejo e desespero o mais perfeito amor se fez...
Dizem que esta parreira foi a ultima que o jardineiro desbastou, e esta a ultima poesia que a poetisa criou.
Amor e sabor. (O jardineiro e a poetisa)
Que viva eu o amor assim em encanto
Que seus lábios me tragam o gosto de uvas
Que não morra em mim o desejo de ser chuva
Que colhas em mim das uvas o sabor do vinho
Que meu coração seja as folhas e receba seu amor
Que seus lábios sejam uvas e deixe em mim seu sabor
Que seu corpo seja odre e o meu o vinho novo
Que seja infinito e, viva sempre em renovo
Que seja eterno como o tempo...
Que seja tântrico o amor da poetisa e o jardineiro