Elas, elas
Quando nada interessante ocupava minha mente, comecei a observá-las. Não parecem tão interessantes, eu sei. Elas vão unidas em busca do que querem e fazem tudo para que possam conseguir ajudar umas as outras. Agem como se tivessem a certeza de que acabarão com tudo que ousar ameaçar o bem-estar e a estabilidade delas, e transmitem isso de forma incrível. Reparando no quanto demoram para se organizar, a fim de carregar alguma baratinha morta, por exemplo, observei que, naquele exato momento,podem simplesmente ser esmagadas. Quando isso acontece, tudo o que lhes dava força parece ter sido desfeito. A união desaparece, a determinação para alcançar aquele objetivo parece nunca ter existido e é como se elas nunca tivessem sido capazes de atingi-lo. Depois dessa rápida análise, notei que há semelhanças entre mim e elas. Eu passo vários minutos tentando buscar algo que me faça atingir o meu objetivo: esquecer o meu tormento maior. Eu junto todos os sentimentos que podem, de algum modo, ajudar-me a fugir do tormento, reúno-os para tirar aquela angústia de dentro de mim. Através desses sentimentos que se tornam meus aliados, eu crio toda a determinação de que preciso para dar fim àquilo que, apesar de, às vezes, fazer mal, dá um sentido maior à minha vida. Essa busca pelo esquecimento parece inabalável, em alguns momentos, mas basta um gesto e/ou uma frase agradável vindos do meu "tormento bom", e eu não sinto mais que tenho capacidade de esquecer, penso que nem tenho forças para isso. Será que as pessoas costumam observar o que acontece, quando se colocam formigas em contato direto com a água de uma torneira? Acho que sabem o que acontece, claro, mas nem todas param para pensar sobre isso. Talvez eu também nunca tenha pensado nisso. Mas, enfim, voltando às formigas e à minha semelhança com elas...O momento em que a água encosta nelas é similar ao momento em que eu sou atingida por aquele gesto ou pela frase de que já falei. Durante o contato delas com a água, eu vejo naquelas formigas a minha raiva, o meu orgulho, a minha razão e a vontade de me livrar do tormento. E a água? Ah, a água não se encaixa tanto nas semelhanças, mas por um só motivo: ela é passageira. A "minha água" não passa, pois, após destruir os "meus insetos", fica cada vez mais viva. Eu iria preferir que a minha água também fosse passageira, mas ela sempre se sobrepõe às minhas formigas. Água talvez desconhecida, talvez não.Saberei apenas depois de ter, muitas outras vezes, minhas formigas vencidas por ela. Talvez nunca a conheça e acharei que conheci. Ou talvez ela possa e deva mesmo se chamar amor.