Casarão (Pau Fincado)
No dia a dia da grama lavada pelos respingos de sereno.
No parco terreno herdado, sobram saudades, sobram saudades.
Saudade do grão de trigo moído, da geada branca cheirosa.
Farinha primorosa que polvilhava singelos castiçais.
Saudade da água ligeira, que regava a roda caixeada.
Chegava numa corredeira e se despedia como um véu.
Saudade do grão de milho, do arroz descascado,
Que num ruído entreverado, transformava grão em pó.
Saudades do disque-disque, que vinha da varanda,
Entrecortado pelo ruído compassado das emendas das correias.
Saudade do sabor de vinho que recendia do assoalho,
Junto ao balcão, parador e confessionário, dos que chegavam a pé.
Pelo tempo passei como tudo passa.
Cortando vento, aparando geada, acumulando pó da estrada.
Assisti pela vidraça o movimento no estradão.
Foi um tempo de solidão. Persistente, aguardei ser descoberto.
No passado recente, fisguei um casal apaixonado,
Que se derramam em agrados.
Ela uma alma “Buena”, Ele xucro e arredio,
Dedicam dias a combinar nossos destinos.
Na mescla do material e do terreno me tornei divino.
Aninhei no meu interior este par jurado de amor.
Sigo casarão sombreado, desgastado pelo tempo.
Se antes instrumento de ofício, hoje sem sacrifício, sou morada
E abrigo para outros tantos, que aqui fazem pousadas.
Conheceram-me Moinho Arroio Leão.
Mas antes que chegue meu fim.
Quero ser lembrado como fui batizado.
Pau Fincado, meu patrão.
Outubro/2010