prece por um pescador
Senhor de todos os bichos, não se esqueça deste vivente.
Sentado a beira desta vertente com linha e anzol no capricho
Esperando ansioso que o bicho lhe venha de presente.
Sobre suas costas uma sacola recheada de apetrechos
São como adereços para um ritual.
Faca, caniço, anzol, isca, bolsa, um candeeiro;
Uma garrafa para amainar o desespero, chumbada, bóia e sal.
Se compadeça do esforço senhor, deste vivente.
Em pé a beira desta vertente.
Alimentando outros mais, por hora tapeando borrachudos
E não menos “cuiúdos”, os pernilongos impertinentes.
Numa posição deprimente, feito coelho sentado
A língua a lhe bate nos joelhos e os miúdos lhe saltando pros lados.
Aprecie a persistência senhor, deste vivente
Acocado a beira desta vertente.
Não há queixa em demasia.
Por duas vezes somente pensou na guria.
No más, é só bicho que tem na mente.
Um cascudo, uma joaninha, quem sabe uma tainha.
Veja a pua que está senhor, este vivente
De quatro a beira desta vertente.
Promessas já foram todas, até pro Martim Pescador.
Jurou semear roncador, lambari e outros mais.
Tudo na ânsia de saciar a si e o seu concorrente
Pois não pode ser só de semente a ceia de um inocente.
Tenha piedade senhor, deste vivente.
Ajoelhado a beira desta vertente.
Num entardecer solitário na esperança de alguma traíra.
Passa a mão no pão e no naco de salame.
Balbucia resmungos, quem sabe algum proclame.
E em uma ceia divina se debruça sobre a sina
De pescar o inigualável.
Tenha orgulho senhor, deste vivente
Empolgado a beira desta vertente.
No mesmo ritual, com habilidade e jeito
Será logo desfeito o naco de fumo enegrecido.
Saciando seus desejos ao encontro do pavio acesso
Leva a alma o perfume a descoberto
Veja a simplicidade senhor, deste vivente
A pitar a beira desta vertente.
Tem sonhado com pintado, surubi, jundiá, prateado.
Mas é maldade dar esperança a este piá.
Bem sabes que não há mais grumatã,
Birú, piquira, viola ou saicã.
Pois nesta escassa vertente a esmola se esgotou.
Tenha paciência com a ânsia senhor, deste vivente
Acuado a beira desta vertente.
Como mais nada há a iscar
Leva ao beiço a água pra amainar os desencantos.
Lembrando logo do santo, devoto de São Chico,
Despeja um “pouquito” para não desfazer o encanto.
Veja o quanto é generoso e não um bicho sovina.
Pois divide até com o santo, o líquido que lhe contamina.
Que generosidade senhor, deste vivente
Embriagado a beira desta vertente.
No passar de seu ofício, num relance descuidado
Esqueceu do pescado, se entregou ao desvario.
De olhos por todos os lados, foi no céu que mirou
Uma estrela enrabichada, apontando pra nascente
Parecia um dourado na corrente.
Tenha fé nos sonhos senhor, deste vivente
Deitado a beira desta vertente.
Ao pescador Dr. Francisco Azambuja
Natal de 2010