A água e a vida

A vida passa. Eu fico olhando para as águas que passam e dizem: que nada se repete igual ao primeiro, que se torna o último instante do meu foco de olhar e pulsar do coração. Os intervalos ficam atrás e não fixam nenhum milésimo de retorno ao anterior passado, que se registra, em formato de uma velha experiência.

Nenhum brilho intenso fica em auge, pois astuto é o tempo, que leva para imensidão a sinapse que produz meus neurônios. Nos instantes que percebo, de súbito, fica o atraso do pensamento. Que se rotula no peito como pedaços de sentimentos. Que vão e vão e que fixa como o “pouco a pouco” da formação de um vulcão. Zela a experiência do agora, que prospera infinita e bela e que nunca se importa se será percebida. O rio não quer saber se alguém o observa. Nem o sol que, de longe, parece calado e fica tão presente e poderoso, que se torna esquecido. Um esquecimento sagaz desse sol, que o torna brilho reluzente, consagrando sua beleza e seu poder infinito sobre todos nós.

Minhas mãos nas águas revelam as veias aparentes, que expressam uma correnteza de sangue em mim, como um rio. Nunca o mesmo sangue, nunca o mesmo nutriente, que passa e que se repete igual ao primeiro, que se torna o último instante do meu foco de olhar e pulsar do coração. As minhas veias conotam o sentimento da frágil e passageira experiência do meu ser. O ser humano ligeiro, que corre com o sangue na veia até cansar, ficar velho, endurecer e morrer.

Sou o fixar de coisas tristes, que são sempre materiais, pois quase todo alimento corre disfarçado como o sol em minhas veias. Esnobam minha inegável dependência. Carrascos! Por que somos tão fracos? Mas, e daí, se somos passagem de uma sombra?

As pessoas também passam na nossa vida como as sombras de árvores que desaparecem na noite. No escuro da solidão fica o sentido de cada momento que morre aos poucos e carrega nossa experiência para o acaso. Ah, esse acaso é o fim das águas dos rios e do sangue da veia. Tudo que passa e que se repete igual ao primeiro, que se torna o último instante do meu foco de olhar e pulsar do coração.

Sou escritor porque minhas veias são cheias de sangue. Mas, e o rio? Ele está sozinho, à noite, e revela grande parte de sua essência de lutador que insiste em chegar em algum lugar, como um mensageiro que tem seu objetivo e, como a vida, que insiste em correr até enquanto não dá mais. O rio é frágil e não vai explodir como o sol.

Hoje, que vira ontem apenas, é o derradeiro mistério do clarear dos dias. Vindouros, como ouros, como touros, que correm em disparada, de não se sabe o que - ou melhor, são búfalos, o que importa é que correm, como no filme “Dança com lobos” que foi um dos melhores que já vi.

Delicadas experiências, essas, de ter visto filmes. Tinha umas pessoas que conversavam como fadas e que, agora passado, viraram uma suplicante voz que sempre atualizo em meu pensamento. Onde estão elas, senão no ínfimo desse ser? Que busca o amanhã e esquece que ele endurece minhas mãos e minha pele protegida da força potente que aumenta do sol.Todo o corpo fica, à deriva, da fraqueza do tecido dos meus vasos que se secarão como um rio.

A vida passa. E eu fico para águas que passam. Coloco minhas mãos na água. E repito a experiência da contradição. Para onde corre a vida? Para onde corre? E o alimento que preciso já nos faz tão belo. E a noite que cobriu o sol? Para onde ele leva meu coração? E o que ela faz com o tempo? Eu apenas sei que quero ver e sentir todas as águas. Quero aproveitar o silêncio, a noite, as pessoas. Quero respeitar o sol, respeitar o tempo. Aprender com o passado e apaixonar-me pelo presente, porque ele corre. E nada se repete igual ao primeiro, que se torna o último instante do meu foco de olhar e pulsar do coração.

Fábio Alvino
Enviado por Fábio Alvino em 25/12/2010
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