A trilha sonora irá mudar
Volto pra casa no velho carro do meu pai, aquelas peças rangindo, a velha lataria suja, o som ruidoso do motor, que parece o canto roco dos cantores de rua. Mas é aquele o nosso carro e aquela a nossa vida. Nos movimentamos no início da noite pela Free-Way enquanto os novos possantes passam deliberadamente ao nosso lado, e nos mantemos firmes a 90 k/h porque o motor está com problemas, ou o carburador têm esquentado demais, de fato temos apenas o forte cheiro que parece oleo queimado e os estrondos na surdina. Ligo o velho aparelho de som, onde eu passava noites a fio quando estava estacionado na garragem de casa, ouvindo fitas k-7 gravadas nas tardes fúteis de um adolescente descobrindo a música. E me deliciava com aquelas músicas que eu passava as tardes cassando com o aparelho do meu tio ligado. Sentado no volante com o carro estacionado, o rádio ligado, eu rompia as madrugadas e desbravava as estradas, era o destemido piloto das noites sem lei. Olhava pelo retrovisor, imaginando os rostos apaixonados que eu deixaria nos portos que eu deveria logo esquecer, e beber outra vez a luz das estradas que iluminam graciosas nossas noites com refletores e outdoors desgastados. Imaginava todas as aventuras que eu iria viver com aquelas trilhas sonoras e me perguntava ainda, afinal, o que estaria por vir. Sabendo que mudaria aquela trilha sonora algum dia...