Mangue das Garças
Penso pássaros, penso garças. Brinco garças que são modos de se esperançar, esperançosas maneiras de ser eu. Olho as garças e penso que sou pássaro engraçado de ser quieto quando se estica no vôo. Um andar que parece elegante-esquisito sobre a lama, pingando brancuras suaves de-pedra-em-pedra pra não afundar a leveza. Sou garça atravessando a rua, o tempo, a noite. Sou garça pensando parada no galho pensando galhos, olhando o que. Garças sobre o lamacento e o movediço, branca lúcidez sob o céu inelutável que não se pode medir ou mudar.
Voam graciosas e atravessam o verde, o entardecer, o indelével e meus olhos parados pensando o que. Dançam e levemente descem como se não pousassem, se estendem longamente no meu mundo de pensar garças, de pensar verde, branco, mangue, pássaros, de tardes e de seres, o indizível, de pensar o que. Elas se misturam na noite antes que a luz do dia se apague totalmente, como pode isso? Se recolhem no mangue, vastidão tão verde que se confunde com o escuro da noite-azulão, ah, como se confundem cinzas solitárias no meu mangue de noite, no mangue das garças.