Renovar (?)
Acordei um dia, sem aquele mesmo ímpeto da juventude. Os dias agitados, a novidade constante, as mudanças, já não faziam o sentido de outrora.
E antes que digam que tudo muda na linha do tempo, essa espécie de pleonasmo filosófico, adianto-me.
Não me voltei contra as coisas que mudam, antes, mirei a direção do que permanece ou resiste.
Abracei à rotina, como se abraça uma velha amiga que não se pretende deixar partir. Não se deixa de notar as rugas que sobressaem no rosto, ou o discreto mofo que começa a tomar conta da foto meio pálida.
Mas além de tudo que se vê meio sem brilho, existe ainda um olhar lacrimejante. A nostalgia é a pedra filosofal, capaz de transformar o pó das lembranças no mais puro ouro.
No tempo da primeira juventude, busca-se a ruptura, o reinício a partir do nada. Faz-se em relação às coisas, a política da terra arrasada, para construir-se um novo império. Mas então aprendemos que essa ruptura é tão irracional e utópica quanto a estagnação.
O futuro apaga-se com a consciência, o presente perde o sentido para quem morre e o passado é espólio que se passa às gerações, diluído, incompleto, cheio de impostos.
O que nos resta então?
Viver. E não se vive apagando as pegadas. Às vezes queremos retornar para ver um por do sol, reviver um momento especial ou mesmo para reecontra-se. Aprendi a ser um ser repleto de nostalgia e nela encontrei o sentido da minha felicidade. Sou capaz de amar o tempo que passou, sou capaz de amar o que já não existe. O quadro na parede devorado pelas traças, ainda resiste em algum lugar que somente acesso de olhos fechados, onde dor e alegria fazem parte de um mesmo sentimento.
Amo as casas pouco assépticas, sem o rigor estético da moda. Aquelas em que passeamos pelos cômodos e pela história de seus moradores. Onde paramos para apreciar um vaso colado, não apenas com cola, mas com o sentimento do que importa.
Talvez, se desejássemos apenas o que dita a beleza, um vaso trincado,seria, muito certamente, algo a se lançar na lixeira. Mas como esquecer-se da doçura de um beijo, o cinzeiro disforme que foi moldado pela infância do seu filho, com o mais nobre orgulho, quando ele tentava entender ainda o que era amar. Como seria Van Gogh sem seu quarto simples para lembrar ou seus sapatos velhos?
Que tremendos sentimentos são esses que me movem, que nos movem e em algum momento da vida nos fazem querer reter o tempo, ainda que aos pedaços, fazendo das lembranças, um presente divino, muito maior que qualquer sentido que possamos ter.
Certamente por isso, já não quero que tudo se renove, mas na renovação inevitável de tudo, sigo amando as lembranças que me integram. Ainda sonho com o futuro, mais ainda, em deixar nele, um pouco daquele passado.