O ANDARILHO
Conhecia a cidade palmo a palmo
Cada esquina, rua ou mesmo prédio
Recebia do seu olhar uma admirável atenção
E como se arrumasse para o primeiro encontro
Saia, e possuído de indecifráveis pensamentos
Sem o rubor dos tímidos e acanhados apaixonados
Por horas a finco e sem olhar os ponteiros, à rua andava.
Era, por assim dizer, o andarilho
Pois que passo a passo descortinava à sua frente
A cidade
Monstro dos monumentos e dos viadutos habitados
Estes dia a dia mais numeroso e odiado
O dos monumentos, igualmente numerosos
Porém irreais os feitos em concretos reproduzidos
Porque não trazem o povo que faz história.
E à ponte que liga um lado ao outro da cidade
Um jovem receoso de se chegar e pedir a palavra
Em esmerada educação conquista do passante sua atenção
E no intercâmbio por ambos estabelecidos
Conta o jovem, sob lágrimas e certo desespero
Que não descartara a intenção de dar cabo à própria existência.
É a cidade com suas grandezas e muitas contradições
Para poucos o porto seguro e quem sabe até outras gerações
Mas àquele que não tapar os olhos e ouvidos
Verá e ouvirá que o difundido progresso não garante
A todos o alimento e menos ainda o abrigo.
É a cidade
Mais triste e menos humana
É a cidade
Dos andarilhos e outros tantos seus habitantes
É a cidade
Que sob mãos suspeitas lhes tira a beleza possível
E a cidade já não será o espaço de todos por direito
Porque dilapidada sob governança gatunesca.
E o andarilho por quem tenho elevada consideração
Anda à cidade dia a dia e sem descanso
E sabe que qualquer banco ou mesmo a chão seco
É ali que fará sua cama e quem sabe sonhe o sonho da criança
E seja feliz enquanto dorme, é o que desejo.