Crueldade
Crueldade
Quero que a vida me arraste com seu poder muscular.
Me derrube as cercas de proteção, desligue meus alarmes.
E me lance nos assoalhos do mundo com extrema crueldade,
inundando–me as narinas com os pós de todos os lugares.
Que me ensine os segredos do chão. E os cheiros das cidades.
Me apresente todas as dores, na face mais perversa da realidade.
E rindo às gargalhadas dos meus torpes elementos, me retire
vestígios de auto-piedade. Que não me conceda impunidade.
Que apague resquícios de orgulho e elimine qualquer traço de arrogância.
Me exponha às ardências do frio e do calor reinantes.
Que materialize meus maiores temores, instale armadilhas nas minhas vias,e me seduza com todas as tentações.
E que eu caminhe sem mapas, e trôpega.
Que meus sonhos pareçam inviáveis e distantes.
E que nada me venha com manuais de instruções.
Que deixe claro que devo seguir sozinha, aos tatos.
Na incerteza escura. Sem bússolas ou mapas.
Sem a segurança de uma grande mão.
E que isso tudo me descontrói, não me destrua.
Mas me refaça numa outra. Que seja assim o aprendizado.
Aí então estarei pronta.
Saberei dos reais valores.
Terei olhos de criança. Transparentes.
Viverei em amplitude o não vivido.
Buscarei incessante o que se ama.
Sem lamentos ao tempo perdido.
Serei mais forte, mais suave.
Talvez uma guerreira. Sensível.
Quem sabe até mais humana...
Claudia Gadini
30/09/05