[Revelações das Águas]
[A janela tosca —
esta mesma, de onde,
há pouco, eu via a chuva...
e vinha-me esse desejo
de eu nunca ter sido...]
Da janela, eu via quase tudo:
aquela água - corria e corria...
parecia vir de uma perseguição,
ou numa fuga de perigos escuros,
tramados no céu de chumbo.
Desembestava, ladeira abaixo,
levando na crista da enxurrada
tudo que lhe surgia pela frente.
Essa água louca corria
ladeira abaixo, e vinha
se espraiar ali, logo acima
da casa do meu primeiro
choro neste mundo -
a minha casinfância... a girar
no rodopio louco do vento...
do tempo, e das lembranças.
Estiou a chuva, céu lavado...
eu caminho a trilha das águas idas.
[Para saber origens, há que trilhar...]
E na trilha, a revelação das aguas -
sabidos por mim, mas nunca vistos,
e enterrados há décadas, os cacos
de louça branca que a minha mãe
jogava pela janela — antes de eu nascer!
Ah, aquela xícara desbeiçada,
aquele prato quebrado...
voaram longe, tão longe...
pela janela do tempo!
[... e daquela pequena janela,
na névoa da chuva lenta,
eu via quase tudo, porque,
tudo, tudo mesmo, é ilusão,
e não há — só um espanto só...]
[Penas do Desterro, 15 de abril a 20 de novembro de 2010]
Obs: poema escrito abandonado em abril deste ano, e retomado agora, após a leitura de um poema de Layara sobre a chuva. A gente é assim, que fazer... - uns pelos os outros, e morreremos todos... todos.