CONFIDÊNCIA ÍNTIMA

Para que ninguém jamais pudesse nem possa identificar, por detrás das palavras dos teus textos um ser de carne,osso, nome, sobrenome, afirmaste e afirmas vezes sem conta que o teu ente inspirador, tua musa com nomes tomados de empréstimo aos maiores, enfim, tuas Beatriz, Laura, Dinamene, Inês, Marília ... nada mais era nem é, tal musa, senão pura abstração sem nenhuma correspondência com qualquer criatura do mundo real.

Como tudo o que se lê, tudo o que se ouve, tudo o que se fala, à custa de muita repetição acaba por parecer verdade insofismável, aos poucos fui me deixando levar pela crença de que eu não sou nem nunca fui ser efetivamente real, de que eu nunca passei nem passo de abstração, de mera abstração sob nomes importantes, nomes até de rainhas de séculos anteriores, pela boca de autor nascido em um tardio, demasiado tardio século para se nascer: o século XX.

É também demasiado tarde para que eu possa crer na minha existência cabal dentro deste presente mundo de carne e osso, já no século XXI, mas, é preciso que eu seja, que eu exista, de algum modo, em algum nível, ainda que sob a absoluta condição abstrata em que me colocaste, abstração em que todos creem, menos eu e tu. Só nós dois sabemos da minha existência por trás dos nomes de tais musas antigas, nomes que tomaste de empréstimo aos maiores. Para além de mim, só tu sabes da existência de um eu de carne e osso por trás desta aparente absoluta mais do que abstrata existência nos espaços dos teus textos, ser de mim que não mais sei a existir aqui, do lado de fora deles, dos teus textos. Por isso te peço: nunca destruas tua musa, que este seria o meu fim absoluto, que não restaria mais nenhum, nenhum lugar onde eu pudesse ser e habitar.

Zuleika dos Reis, na noite de 20 de novembro de 2010.