VERGONHA

Que sensação a de sentir VERGONHA, VERGONHA irremediável por cada ato e por cada omissão "cometida"; VERGONHA por cada palavra autêntica (ou assim julgada) dita de modo e em momento extemporâneo, inadequado e infeliz; VERGONHA pelos sentimentos pequenos, a irromperem como vulcões insuspeitos e indesejados; VERGONHA por, cotidianamente e por escolha que só é possível, neste momento, caracterizar como masoquista, ter se exposto, em alguns locais, com uma "coragem" que sempre resultou inútil, ou pior: deu frutos causadores de males; assim também a VERGONHA por se expor à irrupção dos sentimentos de outrem, sentimentos de seres amados e de seres não amados, cada qual com sua razão e com sua desrazão, cada qual com sua medida e com sua desmesura, exatamente como esta que vos fala, exatamente como esta que vos fala neste momento.

Que sensação a da VERGONHA por haver traído o próprio nome até a medula dos ossos desse nome, nome pelo qual deveria zelar, já que lhe foi dado por seus pais; nome que expôs ao rídículo por vezes tantas, por falta de contenção, por falta de compostura, por falta de VERGONHA.

VERGONHA por querer ainda viver, a despeito de tudo, como se pudesse ainda crer na possibilidade de que ainda lhe possa vir, na vida, alguma coisa para além desta VERGONHA, a VERGONHA de, por covardia, por medo, por ausência de lucidez, por inércia, por comodismo, por orgulho, por descrença, por falta de confiança e de autoconfiança (... ) ter traído todos e cada um dos destinos que lhe poderiam ter sido, até o limite deles, destinos os quais, mesmo que tivessem desembocado em tragédias, não poderiam ter sido mais difíceis de viver do que este, atual, definitivo, irreversível e sem férias de si mesmo: o destino que afinal lhe coube.

VERGONHA, enfim, VERGONHA SUPREMA por ainda não conseguir aceitar plenamente e sem nenhuma reserva e sem nenhum protesto, veemente ou tímido, este único e irreversível destino que lhe coube, por direito e dever, por dever e direito, na casa onde habita com sua mãe, sua mãe que dela e só dela depende e dependerá para poder prosseguir a viver, mãe que resume, no cotidiano dos dias, o único SENTIDO REAL que lhe cabe e que lhe ficou, que o mais... que tudo o mais...

No início da tarde de 10 de novembro de 2010.