365 Dias de Boêmia

Ela sorri pra mim enquanto a fumaça sai por entre seus dentes.

Os mais lindos dentes.

Ela passa a mão pelo meu pescoço, me dá um beijo

e diz "eu te amo".

Ela, então, volta para a conversa dos amigos. Seus amigos.

Traga o cigarro, bebe um gole de cerveja.

Cospe a fumaça, olha pra mim, faz cafuné no meu cabelo

e diz "você é um chato".

Eu não consigo interagir na conversa e não bebo

e não fumo e deveria estar na academia

pois a mensalidade foi paga, mas ela me quer ali

e diz "você não me ama".

A barriga que eu deveria estar eliminando está aumentando

a cada happy hour com os amigos

dela, que me colocam nas conversas perguntando "não é mesmo?"

e ela diz "pára de ser chato".

E ela levanta pra ir até o banheiro e os olhares masculinos

a acompanham e ela vira, trôpega, sorri pra mim

me manda um beijo de longe

e diz "você é lindo".

E volta do banheiro acendendo o outro cigarro,

acompanhada pelos olhares masculinos

e me convida a acompanhá-la no rolinho de câncer

e diz "seu gostoso".

E me dá o cartão do banco e pede para que eu

vá até o caixa e pague sua parte e a minha,

me dá um beijo com gosto de alcatrão

e diz "seu lindão".

"Vocês não têm nada a ver um com o outro" dizem os amigos

dela,

"Vocês nasceram um para o outro" dizem os amigos dela, que sorri

e diz "vamos embora".

No caminho até o metrô ela tropeça e ri à toa,

e acende outro cigarro e belisca meu traseiro

e encosta a cabeça no meu ombro

e diz "eu te amo, sabia?"

Eu não respondo, dou um sorriso breve e me concentro

nos possiveis larápios que vem no sentido oposto

que ela não se dá conta, apenas aperta minha mão

e diz "você não me ama!"

Com seu tom de voz categórico eu penso um pouco

se a amo ou não.

Poderia estar na academia, que já estava paga

ou longe dos seus amigos irritantes

e das gorduras polisaturadas

e dos olhares dos outros homens

mas ela não espera meu parecer

e diz "qual é a sua, hein?"

As pessoas olham enquanto ela fala,

que eu não dou flores

que eu não dou livros

que eu não dou sapatos

e depois choraminga arrependida

e diz "você é o maior poeta de todos".

E eu não dou flores, não dou livros, não dou sapatos

mas dou tempo, dou paciência, dou o ombro sóbrio

para a sua cabecinha ébria e ela sorri

e diz "você nunca fala que me ama".

E eu retribuo o sorriso, pois não há palavras suficientes

para expressar o que é o amor.

Precisamos, mesmo, de palavras para expressar o que é o amor?

Ela não compreende isso, precisa de palavras, de presentes

e diz "você está me usando".

E eu contemplo suas irís cor de esmeralda

suas covinhas nas bochechas

seus lábios rosados

seu quadril largo

ouço sua voz rouca, sexy

e penso que ela nunca irá me compreender quando digo

que meu silêncio é a minha maior declaração de amor.

Rafael P Abreu
Enviado por Rafael P Abreu em 03/11/2010
Código do texto: T2595321
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