UMA CARTA PARA MIM
Odir, de passagem
Acordam-me o trino de um canário belga e dos bem-te-vis encopados nos coqueiros que falam as vozes dos ventos na volta do mar. Abro a janela e me eternizo na contemplação do verde das ondas acenantes, a despertar lembranças longevas e aconselhar recomeços. Emoções contidas turbilhonam os momentos e me sugerem pensamentos vários. A vida, vista da janela de meu quarto, é verde , vaga, virgem, voluteante e cheia de sol. Apesar do sombreamento das paredes que de mim se acercam, apesar do cerco da minha solitude, intimamente silenciosa.
Ó vento virgo que do mar me vem
passarinhando cantos na janela,
será que ela é longe sem ninguém
ou há alguém que longe está com ela?
Dos mares mareados mais além,
muito além das tormentas, da procela,
o amor me prendeu, fez-me refém
das ondas que ressoam risos dela!
Lusitanas lembranças... Portugal!
Nostálgicas notícias de Alentejo,
de paixão sem princípio e sem final!
Onde um dia aportei o meu desejo,
onde do mar chorei gotas de sal
que molharam-me a boca, como um beijo!
Volto ao real pela voz da vida, que me convoca para novas vivências na brancura longínqua da praia deserta, coberta de luz. O mar me extasia. De repente dele sou parte e parto para a entrega corporal, em movimentos mais ou menos mansos dos meus braços - que se desenlaçam enquanto flutuo em seus braços ondeantes ou mergulho no marulho de suas voluminosas vagas.
De volta ao raso, arrasto farrapos de sargaços e procuro na areia os meus passos há pouco passados. A procura se finda num branco sem marcas visíveis da vinda. Onde estão as marcas de meus pés? Quem apagou, do chão, a minha história? Onde a memória do tempo que tatuei nos caminhos que me quedaram aqui? A areia e o momento, lufadas de tempo no vento, e o pó!
A vida abusou de mim
o tempo me tonteou.
Eu me perdi de onde vim
e não sei para onde vou!
Foi-se o início. Chega o fim,
silenciando o que sou!
Volto a vista para o mar. Uma jangada, um nonada de pano empanado de vento, leva os meus pensamentos à procura do amor. E eis-me barco à deriva, sem remos, sem proa, preso às toas de outro barco que me arrasta para o que resta de meu porto seguro.
Em meus sonhos absorto
um novo porto procuro,
mas não existe mais porto
onde aporte meu futuro...
Sonho sanhas, tempestades, choro o pranto da saudade, estupro as minhas vontades, aborto a minha revolta e acordo a volta ao terraço, onde afasto o meu cansaço e me entrego, corpo e mente, aos balanços de uma rede, à ida e volta pra lugar nenhum:
IDA E VOLTA
O meu desejo de ir,
o medo, a ânsia da volta.
Passos prestos a sair,
pé do chão que não se solta.
Desejos de mais espaços,
temores do imprevisível.
Primazia dos cansaços
na descrença do possível!
Vontade de vôo cego,
concretude planejada.
A vivência que trafego,
ante a vidência do nada.
A fluência de fugir,
o mar armando a revolta.
O meu desejo de ir,
o medo ensejando a volta!
JPessoa/PB
Odir, de passagem
Acordam-me o trino de um canário belga e dos bem-te-vis encopados nos coqueiros que falam as vozes dos ventos na volta do mar. Abro a janela e me eternizo na contemplação do verde das ondas acenantes, a despertar lembranças longevas e aconselhar recomeços. Emoções contidas turbilhonam os momentos e me sugerem pensamentos vários. A vida, vista da janela de meu quarto, é verde , vaga, virgem, voluteante e cheia de sol. Apesar do sombreamento das paredes que de mim se acercam, apesar do cerco da minha solitude, intimamente silenciosa.
Ó vento virgo que do mar me vem
passarinhando cantos na janela,
será que ela é longe sem ninguém
ou há alguém que longe está com ela?
Dos mares mareados mais além,
muito além das tormentas, da procela,
o amor me prendeu, fez-me refém
das ondas que ressoam risos dela!
Lusitanas lembranças... Portugal!
Nostálgicas notícias de Alentejo,
de paixão sem princípio e sem final!
Onde um dia aportei o meu desejo,
onde do mar chorei gotas de sal
que molharam-me a boca, como um beijo!
Volto ao real pela voz da vida, que me convoca para novas vivências na brancura longínqua da praia deserta, coberta de luz. O mar me extasia. De repente dele sou parte e parto para a entrega corporal, em movimentos mais ou menos mansos dos meus braços - que se desenlaçam enquanto flutuo em seus braços ondeantes ou mergulho no marulho de suas voluminosas vagas.
De volta ao raso, arrasto farrapos de sargaços e procuro na areia os meus passos há pouco passados. A procura se finda num branco sem marcas visíveis da vinda. Onde estão as marcas de meus pés? Quem apagou, do chão, a minha história? Onde a memória do tempo que tatuei nos caminhos que me quedaram aqui? A areia e o momento, lufadas de tempo no vento, e o pó!
A vida abusou de mim
o tempo me tonteou.
Eu me perdi de onde vim
e não sei para onde vou!
Foi-se o início. Chega o fim,
silenciando o que sou!
Volto a vista para o mar. Uma jangada, um nonada de pano empanado de vento, leva os meus pensamentos à procura do amor. E eis-me barco à deriva, sem remos, sem proa, preso às toas de outro barco que me arrasta para o que resta de meu porto seguro.
Em meus sonhos absorto
um novo porto procuro,
mas não existe mais porto
onde aporte meu futuro...
Sonho sanhas, tempestades, choro o pranto da saudade, estupro as minhas vontades, aborto a minha revolta e acordo a volta ao terraço, onde afasto o meu cansaço e me entrego, corpo e mente, aos balanços de uma rede, à ida e volta pra lugar nenhum:
IDA E VOLTA
O meu desejo de ir,
o medo, a ânsia da volta.
Passos prestos a sair,
pé do chão que não se solta.
Desejos de mais espaços,
temores do imprevisível.
Primazia dos cansaços
na descrença do possível!
Vontade de vôo cego,
concretude planejada.
A vivência que trafego,
ante a vidência do nada.
A fluência de fugir,
o mar armando a revolta.
O meu desejo de ir,
o medo ensejando a volta!
JPessoa/PB