A favela e o cemitério

Atrás do cemitério existe uma favela. Todos os dias a favela assiste um ou mais sepultamentos. Nos dias mais lindos a favela sepulta os seus mortos. Os narcóticos da pobreza fazem rir onde não há esquecimento nem necessidade de leis para lembrar. Todos os dias para esquecer acabam por enterrar a olhos vistos o destino comum que ninguém quer ver.

Ninguém tem pena da favela. Da sua pobreza oficial de luto e medo. A favela serve para produzir homens fortes para cimento e areia. Aqueles que trocam sua força de trabalho pelo pouco alimento nutrindo apenas um resto de força. Morrem próximos da alegria artificial escoltada pela miséria. São enterrados com tiros de justiça. Mas ninguém pranteia o que mendiga.

- Que Deus é esse que tortura o vício onde só resta angústia?

Mesmo quando se reúnem para cantar, dançar, sorrir e amar resta-lhes a imagem de algum velório ecoando silêncio eterno e pétreo na barra do dia.

Uma sirene os dispersa. Ninguém perdoa os métodos da miséria para esconder o mundo. Mas ninguém sobre a terra vive em pobreza sem um cemitério na alma.

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Tércio Ricardo Kneip
Enviado por Tércio Ricardo Kneip em 28/10/2010
Reeditado em 04/10/2021
Código do texto: T2582991
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