CRÔNICA DE UMA PARTIDA
(Uma prosa nada poética: prosaica!)
1
Deitei aqui, parece que desde sempre, minhas tantas palavras
E elas foram longe demais sem dizer, longe demais sem significar
E escrevo muito porque estou sempre a procura do último poema
Nem que para encontrá-lo eu tenha que encher o vazio das horas
E o absurdo infinito de todo o mundo com essas minhas palavras
Porque depois do último poema não haverá mais nada
E tudo me pede agora que me cale e mergulhe no silêncio
Talvez porque já disse tudo que tinha que dizer e não sei mais
Entre mim e a poesia só o desencontro e o desencanto
A toada de uns mesmos versos com as mesmas palavras, sempre
Saudade, solidão, tristeza, angústia, distância, solidão e silêncio
Horizontes distantes e profundezas das mais impensáveis
E os ermos dos mais baldios sentimentos, emoções desertas
E então eu não vou dormir e fico à mercê dos pensamentos
E vou dormir para ficar assombrado com sonhos estranhos
E sinto toda a dor de não dizer, e dor de dizer também sinto
Uma dor que não é física, mas sentimental e emocional, irracional
E não há remédio e nem veneno que a alivie, não há sequer um fim
E nada há que disto me salve ou que daqui me tire simplesmente
Não há esquecimentos, não há volta do fim de todas as coisas
Se isto é sofrimento pouco ou demais, nunca vou saber, nunca
É nesta hora que tudo dói, tudo mesmo, o que é e o que não é mais
O que foi e o que nem foi, dói o que teria sido se fosse não tendo sido
E agora nem sei mais quem sou por não saber se fui ou quem fui
Nada diz o contrário do que sinto e penso me sentindo tão mal assim
É à noite que um silêncio de dor tem o poder de se apoderar de tudo
2
Torno à casa como quem largou a liberdade de voar distâncias
Para pousar distraidamente junto à porta de uma gaiola
Onde possa me trancar a fim de proteger o mundo de mim
E é de dentro dessa prisão que ouvem o canto que tanto enleva
Porque nada mais sabem de mim a não ser esse suposto cantar
Torno à casa como quem se tranca num relicário de lembranças
Para cultuá-las com esmerado enlevo e dedicação
Como se somente isso bastasse para trazer tudo de volta
Torno à casa como quem precisa se refazer dos ferimentos
De uma batalha que nem sei onde se trava e por que se trava
Mas não há um olhar que me vele o sono ou um braço a me recolher
Na hora da glória todo guerreiro é herói, na da morte é um solitário
E me faço pequeno por ser grande demais para me esconder
E me faço menor ainda quando de súbito possa ser encontrado
Julgam, parece, que me amaram mais do que eu merecia
Mas eu nem merecia qualquer amor que fosse que não morresse
Julgam-me forte, enquanto a luta maior é esconder as fraquezas
Um erro qualquer meu me anula qualquer possível grandeza
Porque ao contrário de todo mundo só eu é que nunca podia errar
Qualquer erro meu leva o mundo todo para o inevitável fim
Qualquer erro meu mata toda a beleza das coisas mais belas
3
E tudo agora me exige a absurdeza absoluta do silêncio
E terei de me calar sem encontrar aquele último poema
Depois do qual tudo teria sido dito e não se diria mais nada
Essa vontade de poesia torna-se agora injustificada
Entre mim e a poesia sempre a mais devida distância
Sempre um respeito pela beleza do silêncio que se quebra
Não sigo com a vida, mas sim com os estilhaços dela, todos
E é com o olhar fixo que vejo o momento em que tudo vai embora
Alheio a despedidas eu pareço saber tanto de distâncias
No que sei da impossível volta do que apenas morre
Torno à casa ainda a tempo para o funeral das emoções
O nó na garganta, a angústia, o recolhimento em desespero
A solidão de tardes e noites sem significado plausível
Tudo o que nem mais faz sentido e nem mais importa
A janela acesa nas madrugadas e a espera ansiosa à porta
Que não se importem tanto com isso, não passa de poesia
Basta fingir que assim os versos tornam-se mais belos
Basta acreditar que a poesia é uma espécie de ilusão
Mesmo que doa e sangre, mesmo que respire e morra
A poesia vai ser sempre essa ilusão que faz sofrer
Porque de tão real que é, é preferível iludir-se com ela
Essa poesia que ora calo antes do último poema vir
Para calar todas as coisas que ainda tenho para dizer...
Torno à rua para o abraço de morte de todas as árvores
Para amortalhar-me de minha própria falta de esperança
Para deitar palavras como flores deitadas num túmulo
Para nunca esquecer da vontade do último poema que vem
Para calar todas as coisas que ainda nem consegui dizer...
(Uma prosa nada poética: prosaica!)
1
Deitei aqui, parece que desde sempre, minhas tantas palavras
E elas foram longe demais sem dizer, longe demais sem significar
E escrevo muito porque estou sempre a procura do último poema
Nem que para encontrá-lo eu tenha que encher o vazio das horas
E o absurdo infinito de todo o mundo com essas minhas palavras
Porque depois do último poema não haverá mais nada
E tudo me pede agora que me cale e mergulhe no silêncio
Talvez porque já disse tudo que tinha que dizer e não sei mais
Entre mim e a poesia só o desencontro e o desencanto
A toada de uns mesmos versos com as mesmas palavras, sempre
Saudade, solidão, tristeza, angústia, distância, solidão e silêncio
Horizontes distantes e profundezas das mais impensáveis
E os ermos dos mais baldios sentimentos, emoções desertas
E então eu não vou dormir e fico à mercê dos pensamentos
E vou dormir para ficar assombrado com sonhos estranhos
E sinto toda a dor de não dizer, e dor de dizer também sinto
Uma dor que não é física, mas sentimental e emocional, irracional
E não há remédio e nem veneno que a alivie, não há sequer um fim
E nada há que disto me salve ou que daqui me tire simplesmente
Não há esquecimentos, não há volta do fim de todas as coisas
Se isto é sofrimento pouco ou demais, nunca vou saber, nunca
É nesta hora que tudo dói, tudo mesmo, o que é e o que não é mais
O que foi e o que nem foi, dói o que teria sido se fosse não tendo sido
E agora nem sei mais quem sou por não saber se fui ou quem fui
Nada diz o contrário do que sinto e penso me sentindo tão mal assim
É à noite que um silêncio de dor tem o poder de se apoderar de tudo
2
Torno à casa como quem largou a liberdade de voar distâncias
Para pousar distraidamente junto à porta de uma gaiola
Onde possa me trancar a fim de proteger o mundo de mim
E é de dentro dessa prisão que ouvem o canto que tanto enleva
Porque nada mais sabem de mim a não ser esse suposto cantar
Torno à casa como quem se tranca num relicário de lembranças
Para cultuá-las com esmerado enlevo e dedicação
Como se somente isso bastasse para trazer tudo de volta
Torno à casa como quem precisa se refazer dos ferimentos
De uma batalha que nem sei onde se trava e por que se trava
Mas não há um olhar que me vele o sono ou um braço a me recolher
Na hora da glória todo guerreiro é herói, na da morte é um solitário
E me faço pequeno por ser grande demais para me esconder
E me faço menor ainda quando de súbito possa ser encontrado
Julgam, parece, que me amaram mais do que eu merecia
Mas eu nem merecia qualquer amor que fosse que não morresse
Julgam-me forte, enquanto a luta maior é esconder as fraquezas
Um erro qualquer meu me anula qualquer possível grandeza
Porque ao contrário de todo mundo só eu é que nunca podia errar
Qualquer erro meu leva o mundo todo para o inevitável fim
Qualquer erro meu mata toda a beleza das coisas mais belas
3
E tudo agora me exige a absurdeza absoluta do silêncio
E terei de me calar sem encontrar aquele último poema
Depois do qual tudo teria sido dito e não se diria mais nada
Essa vontade de poesia torna-se agora injustificada
Entre mim e a poesia sempre a mais devida distância
Sempre um respeito pela beleza do silêncio que se quebra
Não sigo com a vida, mas sim com os estilhaços dela, todos
E é com o olhar fixo que vejo o momento em que tudo vai embora
Alheio a despedidas eu pareço saber tanto de distâncias
No que sei da impossível volta do que apenas morre
Torno à casa ainda a tempo para o funeral das emoções
O nó na garganta, a angústia, o recolhimento em desespero
A solidão de tardes e noites sem significado plausível
Tudo o que nem mais faz sentido e nem mais importa
A janela acesa nas madrugadas e a espera ansiosa à porta
Que não se importem tanto com isso, não passa de poesia
Basta fingir que assim os versos tornam-se mais belos
Basta acreditar que a poesia é uma espécie de ilusão
Mesmo que doa e sangre, mesmo que respire e morra
A poesia vai ser sempre essa ilusão que faz sofrer
Porque de tão real que é, é preferível iludir-se com ela
Essa poesia que ora calo antes do último poema vir
Para calar todas as coisas que ainda tenho para dizer...
Torno à rua para o abraço de morte de todas as árvores
Para amortalhar-me de minha própria falta de esperança
Para deitar palavras como flores deitadas num túmulo
Para nunca esquecer da vontade do último poema que vem
Para calar todas as coisas que ainda nem consegui dizer...