[No mundo real, abatem-se cavalos...]
[Transtemporalizações... Para "ela" - é claro.]
No correr dos dias do desterro, eu caprichava de praticar o não-ir... Eu sonhava com aqueles lugares como se [eles] tivessem sido varridos do mundo - varridos pela vassoura do tempo para os porões da minha memória. Passaram, então, a existir apenas lá, naquele território que os sonhos trazem à tona.
... Eu sonho... sonhava, eu criava entraves, eu não queria apear-me do sonho, pois ali, eu podia aparar arestas, quebrar as pontas de espinhos, retificar caminhos sinuosos - eu caprichava de praticar em não ir.
Mas o mundo do arraial estava lá... eu desconfiava que sim... mas "lá" - eu não ia não! Até que um dia, ela, pela mão da simplicidade, da calma, do carinho, disse-me: "vamos "lá"? É tão perto, olha... só 40 minutos e veremos a velha gameleira da tua infância!" - Assustei-me - "só isso... 40 minutos...!". Fomos.
E o velho mundo de sombras abriu-se, iluminado pelo mesmo sol de antes - lá estava, o arraial silencioso, algumas casas a menos, subtraídas pela fúria do córrego que passa nos fundos do arraial. A gameleira, lá estava, viçosa, copa basta, quase como antes; só 50 anos mais velha, mas o que são 50 anos para uma árvore como aquela...
Ah, os cavalos que ficavam amarrados ao tronco, lá não estavam... também, pudera, eu tenho quase 100 anos, e em todo esse tempo, nunca vi um cavalo de 50 anos de idade! No mundo duro, real, é assim mesmo, como está escrito na placa colocada à beira da linha, na entrada daquele frigorífico – “Abatem-se Cavalos”.
[Penas do Desterro, 26 de outubro de 2010]
ps. esperar é um vício?? Sou assim, querer eu até quero - mas nem espero leituras disso aqui... se escrevo do desterro, o que me importa é apenas escrever. Também, nesta era pós-moderna, nem os cavalos dos 4 ginetes do Apocalipse assustam as pessoas - o sucesso, agora, deve, deveria ser o Rocinante - longa vida a Dom Quixote!