EU TE AMO
Eu te amo. Eu te amo, minha face gêmea, minha face gêmea terrível. Eu te amo, minha alma gêmea formidável, potência divino-infernal que me faz permanecer de olhos arregalados no escuro, na eterna noite à espera da tua chegada que nunca vem.
Eu me sei também esta Mesma em ti. Eu sei também tua Agonia nas noites que não terminam, nesta eterna malfazeja-bendita noite em que te pertenço sem jamais te poder chegar.
Eu te amo no mistério gozozo de evocar teu corpo, floresta-mar do meu desejo; de evocar teu rosto talhado em pedra, musgo e neve; de evocar teu olhar que guarda os teus e os meus segredos; de evocar a luz do teu sorriso, sempre tão raro, ah, tão raro sorriso.
Eu te amo no mistério gozozo do teu verbo e do teu silêncio, plenos de todos os universos. Verso meu, silêncio meu, eu te amo, na invenção, nas mortes, na ressurreição dos mundos.
Em todas as tuas mulheres, antes, durante e depois de mim, eu te amo. Eu te amo em todos os homens que amei e nos que desejei ainda que por um átimo, antes, durante e depois de ti.
Eu te amo em todas as falências do ser e de ser; em todas as desistências e renúncias e perdas e fracassos; também nos parcos ganhos, eu te amo.Eu te amo em tudo o que sei e que não sei nem jamais saberei de ti e em tudo o que sei e o que não sei nem jamais saberei de mim.
Eu te sei nas nossas diversas escolhas, no antípoda que volta e meia te tornas em mim, na antípoda que volta e meia me torno em ti. Eu nos sei a olhar-nos e a dirigir-nos cada qual para antagônicas, opostas direções. Eu nos sei a olhar-nos com súbito horror e ainda dentro deste horror nos sei sentindo o amor a possuir-nos, tão espantoso deus de eras ancestrais.
Eu te amo. Ainda que tu senhor feudal e eu tua escrava; ainda que eu rainha e tu meu súdito mais subalterno; ainda que tu general de extrema-direita e eu guerrilheira acuada por teus soldados; ainda que eu torturadora e tu a cerrares no peito, até a morte, o nome dos companheiros; ainda que tudo assim fosse, eu te amo, eu te amo, eu te amo, eu te amo.
Para além da minha razão, para além da minha vida e, talvez, para além da minha morte, eu te amo. Todo o meu céu e todo meu inferno, és em mim, no sempre de mim, AQUELE QUE É. E, por isso, passo os dias a pedir aos deuses todos clemência infinita para amor de tal quilate. Para tal amor rogo o perdão, todos os dias, a cada um dos deuses.
Zuleika dos Reis, na madrugada de 26 de outubro de 2010.