Amarelo Gelo - Capítulo 2

- Essa – disse apontando para uma placa de vídeo – quero essa aqui.

O vendedor me olhou com uma cara engraçada, desconfiado, mas já sabendo de minhas esquisitices.

- Tem certeza Dick? Isso é paranóia tua, coisa dessa cabeça. – falava enquanto ia tirando o pedido, embalando a mercadoria – Não tem ninguém te seguindo cara, ainda mais uma mulher. Que mulher iria ter coragem? Um cabra feio e barrigudo que nem tu?

- Obrigado por me achar um modelo de beleza, sua esposa pensa do mesmo jeito. – não foi com uma das melhores caras com a qual se despediu de mim.

Odeio usar óculos escuros e jaqueta, mas finalmente choveu nessa porra de cidade. Porque os óculos escuros numa quarta-feira chuvosa? Vai cuidar da tua vida que da minha cuido eu. Justamente hoje tinha que fechar o tempo? Chover que nem o dilúvio no dia que resolvo sair de casa é castigo desse deus que dizem existir.

Ainda tenho que passar em mais duas lojas e num boteco aqui perto. No boteco vou demorar mais, claro.

Andar por aqui pelo centro é ótimo, não em dias como hoje, as mulheres se empacotam mais, nem deixam as pernas a mostra. Os decotes somem debaixo de pesados casacos, as saias ou crescem ou desaparecem dando lugar a calças justas, escondidas pelas capas. Droga de chuva.

- Oi – falo pra Arnaldo – quero daquela ali – aponto para uma câmera bem discreta, pequena, de bom alcance e visão noturna – e três daquela ali – mostrando um modelo que tem zoom melhor que a primeira e um campo de visão maior, além da visão noturna.

- Da primeira eu tenho, mas dessa segunda tô só com uma.

- Porra Arnaldo, que incompetência do caralho! – que vontade de tomar uma cerveja – Quando chega o estoque novo?

- Deixa aqui teu pedido anotado que eu mando entregar na tua casa.

- Não, vamos fazer melhor, me diz quando chega que eu venho buscar, tô socado tempo demais dentro daquele buraco.

- Tudo bem...as câmeras daquele modelo chegam daqui há duas semanas, se deixar pago metade agora eu faço chegar semana que vem.

Vendedor filho da puta

- Tu sabe que eu sempre pago em dinheiro, então me vê um bom desconto que deixo pago o total e tu me faz chegar esse equipamento sexta.

Ele olha pra mim por cima dos óculos de grau forte, a careca bem mais exposta agora que inclinou a cabeça. Maldito comerciante, ainda fica pensando se faz ou não um preço bom. Se for realmente esperto vai fazer porque todo mundo aqui compra no cartão de crédito, no inferninho que ele compra a coca não aceita isso, só dinheiro vivo.

- Acertado, daqui pra sexta chega.

Adoro negociar com viciados.

Atravesso a rua desviando dos carros, fitando os prédios altos contra o céu cinza. Parece tudo uma merda só. Essa mania de andar olhando para todos os lados sempre me salvou de trombadinhas e assaltos, além de carros desgovernados e maridos ciumentos. Paro embaixo de uma sacada para imaginar o caminho mais rápido até a loja de som e fumar um cigarro enquanto vejo a chuva cair.

Cadê o maldito isqueiro? Praguejo com o cigarro apagado no bico. Um isqueiro, uma mão e o fogo aceso à minha frente. Obrigado diz minha cabeça. Levanto os olhos, uma mulher linda com cara de súcubo. Acendo a nicotina, agradeço com um sorriso, mas o olhar desconfiado. Ela sorri, guarda o isqueiro e vai embora sem dizer nada. Não entendo direito o que aconteceu, mas com certeza não é boa coisa, nenhuma mulher bonita acende o cigarro de um calvo barrigudo e mal vestido.

Entre os tragos observo ela sumir no meio da multidão. Se sua intenção era que eu a seguisse enganou-se. Ainda a vejo olhar para trás quando quebra na esquina, acertei. Pensa que sou um otário. Termino o cigarro tentando juntar as semelhanças entre ela e a outra.